• 17 de junho de 2016

    Intocáveis

    – Eu não vou falar nada.

    – Porque não?

    – Porque ele não merece.

    – Hum… ele não merece que você fale que ficou magoada, é isso?

    – Sim, ele não merece saber dos meus sentimentos.

    – Entendi. E daí você vai ficar com isso para você, sem se manifestar, como sempre?

    – Sim.

    – Não sei porque, mas me parece mais uma tentativa sua de não mostrar suas emoções do que uma questão de merecimento de parte dele em saber ou não das suas emoções.

    (Silêncio)

    – Sabe… você pode até pensar que está “sendo forte”, mas a verdade é só que está assustada demais para perceber que alguém que você ama também pode te machucar.

    (Choro)

     

    Muitas pessoas se fecham em barreiras invisíveis achando que, com isso, estarão protegidas do mundo. A verdade é que elas se afastam delas mesmas e a barreira verdadeira não é construída para o mundo e sim para o seu próprio coração.

    Lidar com estados emocionais desagradáveis é parte fundamental de um desenvolvimento psíquico e emocional saudável. Não se trata de gostar de ver pessoas sofrendo e sim, de aprender a lidar com a realidade humana. O fato é que nascemos preparados biologicamente para termos emoções ligadas à situações prazerosas e dolorosas. Alegria, orgulho, satisfação estão vinculadas ao prazer; enquanto que tristeza, medo e angústia à dor e todas essas emoções são importantes.

    O problema é que muitas pessoas, seja pela educação que receberam ou por sua própria percepção de mundo, acabam por achar que as dolorosas não são importantes, são erradas ou não deveriam ser sentidas. Esta percepção sobre as emoções vinculadas à dor termina por fazer a pessoa criar uma barreira em torno de si, dentro da qual não percebe essas emoções. O sentimento de tristeza, nesta situação, pode ser encarado como fraqueza e colocado para fora, o problema é que a tristeza traz consigo necessidades que precisam ser resolvidas, ao não resolver a pessoa começa a criar um problema muito maior do que a dor da tristeza.

    Ao negar a emoção, nega-se, também, a mensagem que a mesma traz e, com isso, torna-se muito difícil elaborar uma resposta adequada para o que se sentiu. A tendência começa a ser a compensação. No caso que citei, por exemplo, a compensação era no trabalho, se de um lado sentia-se pequena em relação às suas emoções, fechando-se numa bolha para não dizer “estou magoada”, por outro buscava compensar com um trabalho duro – e bem-feito, diga-se de passagem – que lhe rendia muitas posições de destaque, posições nas quais não seria magoada ou nas quais teria poder de agir contra quem o fizesse.

    A bolha é um problema porque a pessoa acha que está se protegendo contra o mundo ao negar a emoção, mas na verdade ela está apenas criando um mundo paralelo dentro dela mesma. Compensar a percepção de que sua mágoa não merece ser dita com posições de poder não funciona porque são dois temas de esferas diferentes. É como tentar matar a sede comendo, não é que comer seja errado e é melhor passar sede de barriga cheia do que vazia, mas, de um jeito ou de outro, você continua com sede.

    A solução de fato está em permitir que a emoção surja e dar à ela uma solução que, de fato, a contemple. No mesmo caso, depois do choro, ela olhou para mim e fez um sinal afirmativo com a cabeça, ela não sabia como se “defender” quando alguém que a amava lhe machucava. Isso acontece, é ruim, mas acontece e é importante aprender a lidar com isso. Na outra sessão ela me disse que teve uma conversa com o conjugue, falou que ficara magoada e ele lhe disse que não sabia, mas que não faria mais o que tinha feito. Com isso, ela olhou para mim e disse que precisava mesmo aprender a lidar de uma forma diferente com as emoções dela.

     

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