• 9 de maio de 2014

    Negação do eu

    auto negação

    • Então Akim, eu percebi algo muito importante sobre mim esta semana.

    • O que foi?

    • Bem, eu estava muito mal por causa do meu namorado e estava pensando no porque ele me machucava tanto.

    • E o que descobriu?

    • Eu me sinto negada quando ele nunca quer fazer nada que eu quero…

    • Sim… entendo…

    • E sabe… entendi que na verdade isso é algo que vivo a minha vida toda: sempre que eu coloco quem eu sou na mesa as pessoas não me querem mais.

    • Entendi, muito boa a sua percepção!

    • Você acha?

    • Não faz sentido para você?

    • Sim… fez sim!

    • Ótimo então! Você me diz que percebe que o seu “eu” é facilmente negado nas suas relações.

    • Isso…

    • Perfeito, e em que papel você se coloca nessas relações?

    • Entendi… eu também acabo me negando né?

    • Sim…

     

    No livro “pragmática da comunicação humana” Paul Watzlavick descreve um dos resultados possíveis da comunicação do “eu” à outras pessoas: a negação do eu. Isso ocorre quando a “definição do eu” é negada pelo ouvinte, ou seja, é quando uma pessoa diz “eu sou assim” e o ouvinte responde “não, não é” ou “não aceito isso como a sua definição”. Quando esta negação ocorre e a pessoa é adulta, é algo mais “simples” de lidar, o adulto consegue tranquilamente entender que a opinião do outro é somente a opinião do outro. Porém, quando o caso ocorre com uma criança a situação é um pouco diferente, porque a criança está aprendendo e acaba por tomar para si não apenas a definição de eu que o adulto lhe oferece como, também – e muito mais danoso, o processo de negar a sua própria, ou ter que escondê-la dos outros afim  de evitar a negação ou buscar a aceitação através de um papel.

    Como eu disse temos dois processos: a aceitação da versão dos outros de “quem sou” e o processo de negar aquilo pelo qual eu me identifico. Cada elemento precisa de uma maneira específica para ser tratado.

    A primeira – aceitação da definição dos outros de “quem sou” – pode começar a ser trabalhada questionando a versão dos outros com contra exemplos retirados da própria experiência da pessoa. Além disso com a valorização daquilo que a pessoa acha que é, dos resultados que ela obtém com isso, enfim da criação da auto estima dela. Aprender a dizer “não” para os outros e estabelecer limites, questionar e confrontar os outros e suas opiniões sobre a pessoa são elementos importantes também. O ponto fundamental é a pessoa aprender a aceitar aquilo que ela já pensa sobre si ao invés de precisar apenas aceitar aquilo que os outros querem. Neste caso a pessoa possui uma definição de si, mas a mantém obscura e um pouco de lado em detrimento das dos outros.

    A segunda – negação daquilo que sou – é um processo mais complicado. Ocorre quando a própria pessoa nega aquilo que percebe de si. Existe uma diferença entre o primeiro e o segundo: no primeiro caso a pessoa possui uma definição de si e a mantém de lado, no segundo ele rejeita tudo aquilo que percebe de si, ele não chega a elaborar a sua definição de eu para colocá-la de lado. O próprio ato de “criar um eu” é algo visto como nocivo para a pessoa.

    Para este tipo de dinâmica a aventura é mais longa e vai requerer mais do seu herói. A pessoa irá em primeiro lugar perceber que existem nela coisas que ela percebe e valorizar essas percepções. Isso, por si só, é um confronto porque a pessoa entende que isso é errado, questionar a noção dos outros é errado e mais do que isso, perceber-se é errado. Quando a pessoa entende que perceber-se não é  errado ela terá que suportar as percepções assim como as emoções fortes que elas trarão principalmente por serem altamente antagônicas em relação aquilo que ela pensava que era.

    Este é o primeiro passo, depois disso vem a etapa de formar o seu próprio eu: quais suas crenças, quem ela pensa – de fato – que é, o que ela gosta ou não gosta, o que deseja ou não deseja. Esta fase de criação é turbulenta porque envolve não apenas a percepção de quem se é, também envolve viver esta percepção com comportamentos e enfrentar a opinião dos outros sobre isso. E é aqui que surge o maior “teste” para esta dinâmica: aceitar a existência e o valor de um processo pessoal de elaboração do “eu” que é mais importante do que a opinião dos outros. Após a formação do eu a pessoa entrará na parte de afirmar este eu assim como no primeiro caso.

    Vale à pena deixar o registro de que nem sempre – na maior parte dos casos não – a “negação do eu” deve ser entendida como completa, ou seja, o eu é completamente negado. Em geral o que ocorre é que partes importantes do eu são negadas e o trabalho de resgate se dá nesta esfera. Assim, uma pergunta ardida e, ao mesmo tempo poderosa é: o que eu nego em mim?

    Abraço

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