• 12 de maio de 2014

    Ser e sentir

    ser ou nao ser

     

    • Aí foi muito dolorido porque eu vi ele indo embora.

    • Hum… imagino… o que foi que você sentiu ali?

    • Me senti abandonada sabe?

    • Claro.

    • Foi uma sensação muito ruim, eu tremia, senti o coração bater forte, mãos e pernas tremendo.

    • Entendo.

    • E depois disso eu fiquei pensando que esse “papel” que nem você fala eu vivi em muitas situações com muitas pessoas e eu cansei disso.

    • Eu imagino… ninguém quer ficar nessa né?

    • Claro que não!

    • Para começarmos a entender melhor isso, me diga: de que maneira será que você contribui para o sentimento de abandono?

     

    Qual a diferença entre sentir-se abandonado e “ser” abandonado?

    Quando falamos em “ser”, estamos falando sobre duas coisas: algo que aconteceu conosco e uma identidade. Explico: o ato de ter sido abandonado, no caso desta pessoa, por exemplo o namorado indo, de carro para longe da casa dela sem dizer uma só palavra é um elemento “alguém estava comigo e me deixou”. A outra coisa está envolvida com a identidade da pessoa, ou seja, perceber-se tal como um abandonado.

    Perceber-se como abandonado já foi tema de um outro post e vou deixar algumas considerações breves aqui. Quando estamos tratando de um adulto que pode se sustentar o “abandono” é do tipo emocional, ou seja, está ligado à um vínculo afetivo. Neste vínculo cada uma das partes assume um “papel” (como eu gosto de dizer) e esse papel diz à pessoa “quem” ela é, como deve se comportar e o que deve fazer. Se me identifico com o abandonado “todos me abandonam”, “ninguém gosta mesmo de mim”, “ninguém liga para mim”; começo a me portar desta maneira. Desta maneira a única forma de “ser” abandonado, de fato, é quando a pessoa se identifica com este papel, paradoxalmente, ela própria se abandona ao fazê-lo e daí para os outros fazerem o mesmo é um passo.

    Já “sentir” é outra coisa porque não estamos – necessariamente – falando de identidade. A diferença se verifica da seguinte maneira: se eu me identifico com o abandonado, o abandono é algo que eu “espero” de certa forma, quando ele ocorre eu sofro porque ele confirma a minha identidade e me diz que sim, eu sou “tudo de ruim” porque ninguém me quer e a prova está nesta última – ou mais uma – pessoa que me abandonou. Se eu não me identifico com isso sofro o abandono, porém de uma maneira diferente: o abandono “é só” um abandono, ele não me diz quem sou, não define o meu eu e o meu sofrimento se dá pela situação em si e não pelo que ela representa à nível de identidade.

    O sentimento é algo muito ligado à maneira pela qual interpretamos o que nos ocorre. Emoções elaboradas como o abandono são muito ligadas à isso (aqui volto à dizer que trato do “abandono” de uma pessoa adulta que pode se sustentar e não de uma criança indefesa e isso faz muita diferença), assim sendo existe um fator cognitivo no processo. Embora tecnicamente isso possa parecer controverso ao senso comum é, na realidade muito simples, pois todos já passaram por uma experiência na qual se sentiam incomodados, ou com raiva e, ao aprender a lidar com a situação ela “deixou de incomodar”, o que mudou foi a cognição ligada à experiência, a forma de compreender e, com isso, a emoção.

    Assim, quando uma emoção significa, para nós, uma definição de identidade, estamos falando sobre “ser” alguma coisa. Já quando a emoção é “simplesmente” associada à situação em si e não se refere à quem somos ela estará sendo “somente” uma emoção. Obviamente que “quem” somos está sempre ligado às emoções que sentimos, porém quando olhamos os dois fenômenos desta maneira podemos diferenciar o que é um e o que é outro e isso é super importante para que possamos lidar com a situação de uma maneira mais adequada – trabalhar com uma emoção é diferente de trabalhar com a definição de “eu” da pessoa, por exemplo.

    Abraço

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