• 18 de junho de 2014

    Brincar de mudar

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    Maria Vasconcellos é uma psicóloga que estuda a epistemologia que é o estudo sobre o conhecimento, as perguntas que geram o saber, a validade das respostas e dos métodos pelos quais chegamos à elas. Dentro da epistemologia sabe-se que todas as épocas possuem o que chamamos de “paradigma” ou seja, as premissas mais fundamentais pelas quais guiamos nossa razão, um exemplo simples: o universo é estável. Todos achamos que existem as “leis da natureza”, da física, para acharmos que existem “leis” devemos achar que o universo nunca mudará, senão teríamos no máximo “regras” ao invés de leis.

    O ser humano também possui estes “paradigmas” pelos quais organiza a sua experiência pessoal, suas ações e pensamentos. Damos à isso o nome de crenças. As crenças, assim como os paradigmas, são fundamentadas em algo que não podemos confiar plenamente. Porque não? As crenças assim como os paradigmas são generalizações tão amplas e tão fundamentais que não são passíveis de comprovação, como comprovar que o universo é estável com o conhecimento que temos dele até hoje? Nem sequer conhecemos os limites dele. Além disso as crenças são ainda mais frágeis, pois são baseadas na experiência humana e para cada crença conseguimos achar um contra exemplo. Uma crença que sempre ouço no consultório é: “tudo dá errado comigo”, pode parecer bobo, mas organizamos a nossa experiência através disso olhando muito mais para os defeitos, as falhas em nossa vida do que para os acertos, por exemplo. No entanto, eu simplesmente pergunto: simplesmente tudo, em todos os momentos de toda a sua vida sempre deu errado? A resposta é sempre “não, né. É jeito de falar só”. Esse jeito de falar é perigoso, porque estrutura toda a nossa vida, porém é um “jeito de falar” que é muito limitante.

    A pesquisadora que citei acima também fala que o grande problema com os paradigmas é que eles são tão intrincados na mente coletiva que eles somente conseguem ser plenamente modificados através da experiência. As pessoas podem até entender a ideia e resolver dar um voto de confiança, mas apenas vão entregar-se quando perceberem na realidade a utilidade e a veracidade de pensar de uma maneira nova. O mesmo vale para as crenças humanas. Na prática sempre precisamos mostrar inúmeros contra exemplos que mostrem que uma nova maneira de pensar pode levar à resultados diferentes e melhores para a pessoa. Até ela ganhar confiança suficiente para agir de uma forma diferente e conseguir por si só elaborar uma crença mais rica para ela. É uma experiência chocante perceber que aquilo no que se acredita pode – e é – apenas aquilo no que acreditamos e que existem várias formas válidas de enxergar o mundo de uma maneira diferente. Sem este “choque” a pessoa não se abre para o novo.

    Todo este preâmbulo serve para demonstrar que em relacionamentos é importante, também, causar um “choque”. Ouço muitas pessoas que trazem problemas de relacionamento que tem a ver com a incapacidade em criar este tipo de choque na relação. O objetivo não é chocar o outro no sentido de desestabilizá-lo, mas sim de abrir a mente da outra pessoa para uma versão mais rica do mundo.

    O psicólogo John Gotman que realiza várias pesquisas sobre relacionamentos traz uma noção igualmente importante de que esse choque deve ser realizado de uma maneira muito específica: através da inspiração. As pessoas geralmente desejam que o outro mude, porém o fazem com um intuito muito pessoal. Embora o objetivo final possa ser o enriquecimento do modelo de mundo do outro, quando existe o desejo pessoal uma “sombra” de desejo de controle sobre o outro fica em suspenso e essa sombra, em geral, não permite a aceitação e a mudança.

    Por outro lado quando o desejo é, de fato, inspirar o outro, não existe o desejo pessoal da mudança. A inspiração se dá através destes choques e de questionamentos bem posicionados. O outro está seguro de seus posicionamentos, está seguro, também, de até onde está disposto à ir na relação e quando coloca um novo mundo para a pessoa com quem se relaciona é porque está de fato desejando a mudança dela para melhor. É uma sensação um tanto difícil de descrever, porém uma maneira de dizer é que existe uma pressão sem tensão. A pressão de mostrar um novo modelo de mundo que choca o conjugue porém sem a tensão de que ele “tem que” fazer a mudança.

    Uma outra diferença é que quando se deseja inspirar as pessoas apenas mostramos à elas o quão interessante a mudança seria. É uma espécie de “sedução” na qual ao invés de apontarmos os defeitos do “modelo atual”, mostra-se as virtudes de uma nova maneira de viver e convidamos a pessoa à isso. Como não existe a tensão pela mudança dela, como ela não “tem que” mudar apenas cria-se um clima de “e aí, vai querer uma vida melhor ou não?” E essa pressão é o que realmente motiva a pessoa à mudar. Não se trata de falar, mas sim de viver e mostrar um novo modelo de mundo para o outro, lembre-se a experiência é o que nos faz sentir seguros em ir adiante e dar um passo no abismo, se não sentimos isso, não damos o passo. “Seja a mudança que deseja para o mundo” e deixe que as pessoas se inspirem neste modelo.

    Abraço

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