• 22 de julho de 2014

    Estranheza

    406769_338669929477493_100000034671826_1445347_109258464_n

    • Tenho me sentido estranho ultimamente.

    • Que coisa boa!

    • Pois é… eu me lembro das várias vezes em que você me disse isso e eu nunca acreditava.

    • “Que que este louco tá me falando que é bom ficar estranho” não é?!

    • Bem por aí… mas… acabava que era bom mesmo… agora estou meio que convencido.

    • Me fale um pouco sobre a tua estranheza neste momento.

    • Eu tenho sentido como em uma oscilação sabe?

    • Sei.

    • De um lado eu estou muito tranquilo com o meu desejo. Do outro vem as críticas.

    • Entendo.

    • O estranho é que cada vez mais eu consigo deixar as críticas de lado. Cada vez mais eu simplesmente me aquieto. É quase uma sensação de tristeza, mas não é sabe? É apenas um “quieto”.

    • Sim, entendo sim.

    • Eu não tenho muitas palavras ao mesmo tempo em que a minha mente está cheia de coisas, porém não de um jeito angustiante… é como se tivessem milhares de palavras indo de um lado para o outro se reorganizando dentro das “gavetas da minha mente”.

    • Compreendo

    • E é esta sensação de quietude no meio disso tudo que é estranho. Não me sinto mal, nem culpado e quando estas emoções vem à tona eu consigo olhar para elas e elas somem.

    • Muito bom!

     

     

    “Sou um homem: nada do que é humano me é estranho”. Públio Terêncio Afro.

    No filme “Menina de Ouro” o narrador da história disse que tudo sobre boxe é ao contrário, se você quer socar para a direita, você inclina o corpo para a esquerda. Terapia tem muito a ver com o boxe vendo deste ponto de vista: quando as pessoas dizem que estão incertas, sentindo-se estranhas com elas mesmas ou confusas sabemos que estão fazendo progresso.

    Não é que psicólogo seja masoquista e goste de ver as pessoas confusas e sem saber como agir, mas é que, para existir uma mudança real é necessário um período de criação e toda criação é precedida por um vácuo, por uma falta, pelo rompimento com padrões existentes anteriormente. Todos temos auto imagens muito fortes sobre nós mesmos, podem não ser imagens muito positivas, mas ainda assim organizam nossa vida psíquica. Quando o processo de terapia começa a fazer seu efeito esta auto imagem sofre mudanças, novos pontos começam a ser percebidos, outros começam a ser vistos sobre uma ótica nova – e às vezes nem tão favorável – e aquilo que pensamos que era sólido como rocha se percebe fluido como nuvem.

    Este é o ponto em que muitas pessoas largam a terapia. O encontro com o estranho em si é muito perturbador para muitas pessoas. Sentir-se de uma maneira que eu mesmo me disse “Isso nunca” é algo muito duro e cru, muitos preferem negar a experiência do que integrá-la e tornar a sua auto imagem ainda mais rica. Pessoas fortes descobrem que existe choro dentro dela, os práticos que existe poesia, os fracos descobrem força e liderança, os indecisos descobrem desejos indomáveis e os secos descobrem o amor e a música. Encontrar-se com aquilo que nos é estranho em nós é uma prova de caráter: se sou verdadeiro comigo mesmo, faço como Públio Terêncio dou “oi”, porém se ainda sou criança e necessito de uma e apenas uma imagem estática de mim digo “adeus”.

    Stanley Keleman certa vez disse que maturidade é a capacidade de conviver com várias emoções contraditórias dentro de nós ao mesmo tempo. Concordo e amplio: além das emoções, de várias percepções de nós mesmos; ou seja, muitas vezes me acho forte, mas encontro fraquezas minhas, conviver com estas duas realidades, estas duas percepções antagônicas de mim é sinal de maturidade visto que o ser humano não “é” no sentido estático da palavra, mas sim no sentido existencial, onde o “é” ou o “ser” apenas existe enquanto movimento de tornar-se. Em outras palavras, “ser” é um verbo no gerúndio quando se trata da nossa identidade e não se refere à uma coisa, mas sim à um complexo de experiências.

    No exemplo acima, trouxe a estranheza num momento de conclusão de trabalho. Ela ocorre também neste momento porque a mudança está se instaurando na pessoa e ver-se da maneira antiga não é mais possível. Ela também ocorre no começo do processo em que a velha imagem torna-se insuficiente, pobre para dizer tudo aquilo que a pessoa precisa dizer. É o momento de ir além do limite. O momento do término é aquele em que a pessoa está contornando novos limites.

    E você, como lida com aquilo que é estranho dentro de ti?

    Abraço

    Visite nosso site: www.akimpsicologo.com.br

    Comentários
    Compartilhe: