• 17 de setembro de 2014

    Nudez

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    • Então Akim, não consegui fazer o exercício que você pediu.

    • Ah é, me conte o que aconteceu.

    • Eu fui tomar banho, mas parar e me olhar nua na frente do espelho não dá certo!

    • Você tentou fazer? O que “não deu certo” significa?

    • Ah… morri de vergonha!

     

     

    As imagens deste post te incomodam? Elas são vulgares para você? Agressivas talvez? Non-sense? Estranhas? Qual a emoção que você sente ao vê-las? Um dos grandes desafios que tive ao montar este post foi encontrar imagens de nudez que não estivessem associadas à sexualidade e nem à sensualidade. O melhor que encontrei está acima.

    O tema da nudez hoje é muito importante de ser explorado porque ao contrário do que se pensa a nossa sociedade é tão ou mais preconceituosa com o nu do que as que vieram antes de nós. O exercício do espelho feito com o corpo todo nu é uma das versões, uma outra versão é olhar apenas o rosto e já causa muitos rebuliços no consultório. Recentemente o facebook mostrou isso com o desafio “sem maquiagem”… interessante pensar que uma fotografia “tal como se é” é um desafio. Interessante? Confira o resto do post.

     

    O que é nu?

    Se formos raciocinar biologicamente a “nudez” é o estado natural do ser humano. O “bicho” humano não nasce com roupas ou furos para colocar acessórios. Nasce revestido com a pele e nada mais. No entanto dizer que o “nu” é o estado natural é atribuir à ele um certo status que não confere adequadamente à experiência que temos do nu. A nudez é, na verdade, uma experiência cultural e não biológica (você já viu algum animal com vergonha de estar sem roupas?).

    O nu surge com a roupa, é a oposição do estar vestido: estou vestido ou estou nu. Não estar vestido é estar nu e isso é diferente de dizer que se está no seu estado biológico “natural” porque existe um certo valor atribuído à este “natural”. Culturalmente vemos isso logo no começo da história da nossa civilização quando em Genesis 3, versículo 7 Adão e Eva descobrem a nudez após comer da árvore do conhecimento. A nudez é “descoberta” (palavra de duplo sentido neste caso: descobrir no sentido de uma descoberta e descobrir no sentido de retirar o véu posto sobre algo) e esta descoberta traz consigo a vergonha que faz Adão se afastar do chamado de Deus e se cobrir com folhas.

    Estar nu na nossa sociedade possui uma ligação profunda entre estar descoberto, com nossas “vergonhas” à mostra. A atual percepção da imagem do corpo que temos aumenta ainda mais esta percepção da vergonha que além de moral torna-se, também, estética. Toda a questão ligada à pele humana está associada ao nu e, com ele, à vergonha que vem deste raciocínio. Desta maneira o nu é este “descobrir” (no sentido de retirar o véu de sobre) a pele, o animal que somos e, com isso, a vergonha que associamos à isso.

     

    Nu “privado” e nu “social”

    Muitas pessoas fazem uma distinção na qual a nudez só é “nudez” quando exposta. Esta ideia é comum hoje em dia, pois entra em consonância com a quebra da privacidade e a necessidade de exposição. Porém vale a pena lembrar que a nudez ocorre independente do lugar, só no seu banheiro ou numa praia de nudismo o “nu” é o mesmo. O que realmente muda é a relação que estamos tendo com o nu naquele momento.

    Enquanto no seu banheiro é você com você mesmo, numa praia de nudismo, por exemplo, você está expondo a nudez. Assim existe uma diferença entre se perceber nu e se mostrar nu. Os praticantes de nudismo, inclusive, lidam com esta questão de uma maneira muito interessante, pois, visto que seu objetivo não é a exposição e a propaganda de corpos nus, eles buscam a naturalidade no olhar. Existe uma diferença entre olhar e observar que é muito importante onde a primeira é o simples olhar que temos no dia a dia e o segundo é um olhar que inspeciona, que busca algo no objeto que esta sendo observado. O nu em um campo de nudismo precisa ser olhado, ou seja, tratado como o que é: algo natural.

    A grande diferença é que no nu “privado” a pessoa não está expondo – ou, mais precisamente, sentido que está expondo aos outros – então é como se a nudez fosse vivida em segredo o que dá uma sensação de proteção. O banheiro funciona como se fosse uma roupa, um ambiente no qual a nudez é possível. Isso, no entanto, não retira, necessariamente o olhar observador que a pessoa pode inferir sobre o seu próprio corpo.

     

    Nudez, roupas e identificação

    Em geral pensamos na nudez apenas quando estamos sem roupa. Porém, ao vestirmos uma camiseta e uma calça a nossa pele não se funde com esta roupa, ela fica “sob” a roupa. Uma das grandes habilidades do strip tease é forçar o observador a partir de insinuações a imaginar o que há por debaixo da roupa, a arte está justamente no ficar com a roupa e fazer o observador imaginar todo o corpo nu, a revelação do corpo “termina” com o “strip”.

    O strip-tease consegue este efeito porque sabemos que há uma pele por debaixo da roupa. Não é a toa que chamamos a roupa de “pele social”. Assim sendo mesmo vestido você ainda é uma pele humana, você está “nu” por debaixo de suas roupas. Muitas pessoas, inclusive, acham constrangedor pensar nisso. A roupa é o que cobre a “vergonha” e pensar no nu abaixo da roupa é, justamente, pensar na “vergonha”.

    Por isso existe uma identificação entre a roupa e o corpo da pessoa. Não é incomum no consultório as pessoas trazerem relatos de que ao se olharem no espelho levaram um susto. Não, não é apenas porque estão mais gordinhas, mas também porque o “tempo passou”, “foi estranho me ver pelado(a)” e “fazia tanto tempo que não me via assim”. Como Curitiba é uma cidade fria, é muito comum que as pessoas tirem a roupa de trabalho e já coloquem roupa para ficar em casa, assim acaba que se passa muito mais tempo olhando as roupas que usamos do que o nosso próprio corpo. A roupa que usamos pode até expressar a nossa individualidade, mas isso é diferente de “ser” nós, ela não “é” a gente, o corpo sim. E aí entra uma grande contradição atual: podemos não nos identificar com o nosso corpo.

    Embora isso se mostre abertamente em casos de transgênero a questão percorre o dia a dia das pessoas quando vestem roupas de teor sexy, mas querem fazer sexo com as luzes apagadas “sinto vergonha do meu corpo”. Isso é algo super comum porque o corpo mostra a “vergonha”, é algo bíblico que tem a ver com esta identificação com a pele social e não com a “animal”, com a nossa “verdadeira” pele.

    Re aprender a se identificar com o corpo que somos, com a pele que temos, rugas, estrias, celulite, curvas, retas, gorduras, músculos, veias, ossos, cartilagens é retornar um pouco mais àquilo que se é de fato. Não é nada contra a roupa, pelo contrário, mas sim à favor daquilo que somos de fato, de uma auto imagem mais fidedigna, mais real e palpável. Um respeito pelo que se é, o desenvolvimento da auto estima de fato começando pelo reconhecimento e identificação da minha nudez, da minha “vergonha” para que ela fique “sem vergonha”.

     

     

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