- Tenho medo sabe?
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Claro que sei e não tiro a sua razão.
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Então, o que eu faço?
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Como assim?
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Eu to com medo! Vou fazer o que?
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Ir.
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Ir?
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Claro! Quem é que disse que o medo está errado? Ou que só podemos ir nos sentindo bem, alegres e 100% seguros?
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(silêncio) E se doer?
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Qual o problema? Dor mata?
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… Não…
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Então… agora… não ir e continuar pensando em “como teria sido se”… bem… isso não mata… mas dilacera a alma não é?
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É…
Você já ouviu a expressão “de peito aberto”? Uso muito ela em meu consultório. Tanto que resolvi escrever um post sobre o assunto.
Em geral quando falo “ir de peito aberto” as pessoas logo entendem que estão se tornando vulneráveis aos outros e que esta abertura é para o externo. Não estão erradas, porém, esquecem do princípio que norteia isto tudo. O que é “abrir o peito”?
Abrir o peito é um assunto religioso. Como assim? No sentido estrito da palavra, religião significa “ligar novamente”, re – ligio, do latim. Ligar novamente a pessoa à sua experiência, porém para partirmos do princípio que é necessário religar, precisamos entender que a ligação uma vez existia e que a mesma foi cortada. Abrir o peito é a minha maneira de fazer religião, religar-me ao mundo, ao mistério e ao desejo.
Só podemos nos relacionar quando estamos dispostos à nos ir na base daquilo que nos afastou num primeiro momento. Em outras palavras, se me afastei de algo preciso me permitir a aproximação novamente para que eu possa entrar, novamente, em contato e poder me relacionar. Esta permissão de que falo é o tal do “abrir o peito”. Permitir-se a experiência. Abrimos o peito não quando o entregamos ao outro, mas quando o entregamos à nós mesmos, ao nosso desejo, à expressão que está sendo criada dentro de nós.
Porque tememos isso?
Uma das explicações que tenho estudado no momento tem a ver com algo que Nietzsche perguntou: porque, necessariamente, quem deseja é o sujeito? Me parece uma pergunta válida e que vai num ponto nevrálgico da nossa própria experiência. Quem nunca sentiu algo que parecia estar dentro de si como se fosse um intruso, algo cuja sensação que temos é exterior à nós, mas, ao mesmo tempo sabemos que está ali dentro. Eu creio que a indagação de Nietzsche tem a ver com essa percepção: de quem o nosso desejo nem sempre “é” “nós”.
Assim o temor, muitas vezes, é pelo fato de que sabemos que, ao abrir o peito, entramos em contato com elementos que não são usuais para nós, elementos que não sentimos como “eu”, enfim… que não temos controle. E daí o medo. Quando o peito está aberto nos entregamos à experiência, e muitas vezes ela nos causa a sensação de ser maior do que a gente… na verdade… ela é, porque ela nos engloba. O “eu” faz parte da experiência, ele vive a experiência e quando se percebe esta relação ficamos com medo de nos perder nela.
No entanto, enfrentar este medo é o primeiro passo para quem deseja viver o sagrado da vida. quando digo “sagrado” não estou fazendo referência à religião, mas sim à experiência de estar num âmbito – por assim dizer – que está além do cotidiano, ou seja além do profano, que é o âmbito da experiência de estar vivo, de estar vivendo a sua auto expressão, de sentir-se ao mesmo tempo, parte e todo de uma experiência. Todo enquanto ser, parte enquanto ser vivente de uma experiência.
É esta experiência o que tememos porque sabemos que ela é mais ampla do que nós. Porém, uma outra maneira de perceber esta experiência é exatamente percebê-la pelo viés de que ela nos contém, ou seja, ela é um invólucro dentro do qual existimos e nos expressamos. É dentro dela que podemos viver, é com ela que entramos em contato com o “ir além”, com o “vir a ser” e sem ela vivemos, mas sempre dentro de uma certa redoma que nos afasta, que nos fecha o peito à experiência da vida.
Com base nessa percepção que podemos invocar o grito dos índios americanos “é um bom dia para morrer”, esta é uma frase que traduz bem o sentimento de ir para a vida na sua plenitude. Isto é abrir o peito à experiência máxima de estar conectado com a vida que é estar conectado, também, com a morte. E porque esta conexão é importante? Porque entrar em contato com o “vir a ser” é, um pouco, como entrar em contato com a nossa morte, visto que não controlamos a experiência e que, de certa maneira, estamos nos transformando, deixando uma forma para trás e vivendo outra o que é, parecido, com a morte porque nos obriga a desfocar do corpo que experimentamos e entrar em contato com uma nova experiência que vai além dele, mesmo que o contenha.
Mas, como Nietzsche, bem apontou, esta é uma jornada para os corajosos. Não é qualquer um que deseja empregá-la ou que a suporta. Creio que uma das funções da terapia é ajudar a pessoa a conseguir suportar isso para que ela possa ir de encontro com a sua jornada interior.
Abraço
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