– Não sei direito o que estou fazendo com minha vida.
– O que você faz ao longo do dia?
– Como assim?
– Você acabou de acordar… o que faz?
– Você quer dizer a minha rotina?
– Sim.
– Bem… eu acordo… fico morgando na cama… às vezes faço isso muito tempo. Me atraso para tudo e daí tenho que fazer as coisas correndo sabe?
– Sim.
– Geralmente é assim mesmo… correndo do quarto para engolir algo, escovar os dentes, tomar banho e pegar o bus para ir pro colégio.
– E daí, como você vive esses pequenos momentos?
– Quais?
– Ir correndo à mesa, comer correndo, voltar correndo e se arrumar correndo…
– Ah… bem… sei lá… é meio ruim sabe?
– Cansativo não?
– Isso!
– Uma das suas reclamações né? Viver meio cansado?
– Verdade…
Muitas vezes as pessoas pensam no “porque” da vida. Gosto de refletir sobre isso às vezes… é divertido. Porém, existe uma outra pergunta com a qual eu gosto de trabalhar: “como”.
Mais de uma vez problemas sérios e difíceis foram resolvidos com base na pergunta: “como é o seu dia a dia?”. Você já parou para pensar no que faz todos os dias? No como usa o seu tempo e sua energia e de que maneira o faz?
Joseph Campbell, Stanley Keleman e outros autores e filósofos já afirmar que aquilo que desejamos não é um sentido para a vida, mas sim uma experiência de vida. A palavra sentido fala sobre uma direção para a vida, a palavra experiência fala de como vivemos este sentido. É algo assim: você pode ir para uma viagem num estado muito bom ou muito ruim. “Para onde” está indo é o sentido, o “estado” é a experiência.
A questão é que esta experiência não é vivida da maneira que se vende nos filmes e comerciais: em grandes momentos de emoções profundas e arrebatadoras, mas sim nos vários pequenos momentos entre uma respiração e a outra. Quando pergunto para as pessoas como ela vive o seu dia a dia, direciono (sentido) a atenção dela para estes momentos e as surpresas são enormes geralmente.
O mais comum é começar com a quantidade de tempo gasta em atividades bobas, que não estão agregando em nada para a vida dela. Não confunda isso com momentos de descanso que são tão importantes que, muitas vezes, as pessoas dizem: “Akim… eu não descanso nunca”. É nestes momentos em que podemos perceber se realmente estamos vivendo algo digno de expressar aquilo que estamos sendo ou não. E junto com o que faço a maneira pela qual eu faço.
Particularmente eu tenho uma boa relação com vinhos. Dificilmente bebo vinho, em geral eu o degusto, passo bons momentos em contato com a cor e o cheiro dele para então passar ao sabor e às afetações que ele causa na boca. Isso tem muito a ver com a minha maneira de viver: apreciar algo ao máximo possível. Ao mesmo tempo, também tenho meus momentos de pura descontração afinal estar o tempo todo num estado de intensidade cansa e eu adoro dar uma descansada.
Olhar para o dia a dia, para os pequenos atos é olhar para a sua filosofia de vida. Por isso que eu gosto de dizer que essas coisas são muito concretas. Uma coisa é o discurso, este pode ser abstrato, porém as atitudes, comportamentos da pessoa nunca o serão, eles são sempre concretos e é aí que mora a experiência dela. Quando refletimos sobre isso é que percebemos: “estou vivendo a minha relação com meus filhos de uma forma muito superficial”, “não tenho prestado atenção à minha alimentação”, “não descanso mais”, “não me dou um tempo para curtir meus discos”, tudo isso fala sobre o “como”, não sobre “o que” faço, mas sim sobre “como faço” e é justamente aí, neste detalhe que reside o ponto em que a sua filosofia de vida e a sua experiência de vida se encontram e é aí que as mudanças podem começar.
Porque aí? Em que outro lugar você irá mudar senão nesses? “Dar limites”, um tema muito comum em consultório só pode ocorrer numa “pequena” discussão doméstica ou num “pequeno” momento com os filhos em que isso vai ou não ocorrer. “Me conhecer”, onde você vai fazer isso senão durante o seu banho, ou enquanto come ou quando sai numa festa com seu parceiro? Assim, a menor das perguntas se torna a maior das perguntas, analisar o mais banal dos comportamentos se torna analisar a mais profunda realização – ou não – da sua própria essência.
Se você gostou do texto e concorda com estas ideias deixo uma pergunta bem simples, sobre algo bem comum: como você sorri?
Abraço
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