- Mas está difícil sabe?
-
O que é mais difícil?
-
Aceitar que ela se foi… eu tento me agarrar à ela nas fotos e nos vídeos…
-
Entendo… é difícil mesmo…
-
Sim…
-
O que aconteceria se você aceitasse a morte dela?
-
Eu teria que me desapegar.
-
Qual o problema com isso?
-Eu teria… que entender… que eu também posso ir um dia.
Em um livro chamado “Viver o seu morrer”, Stanley Keleman lança uma profunda e incômoda reflexão não sobre a morte, mas sobre o ato de morrer. O autor defende a ideia de que ninguém sabe exatamente o que há na morte, mas sabemos o que há no morrer que ele diz ser o nosso “último ato” nesta terra. Em outra palavras: você pode não ter certeza de para onde vai – se é que vai – após o morrer, mas o ato de parar de respirar é algo pelo qual você ira passar.
As reflexões de Keleman neste livro me fizeram desenvolver um trabalho que chamo de “a arte de abrir mão”. Ou seja, a maneira pela qual aprendemos a abrir mão das coisas, situações, pessoas e de nós mesmos. Um exemplo: muitas pessoas não conseguem “abrir mão” de sua adolescência. Passam a vida toda como se ainda fossem adolescentes – o que é diferente de fazer o luto pela adolescência, manter o que há de bom nela e seguir para a vida adulta.
A maneira pela qual a pessoa faz para manter “a mão fechada” nos ajuda a compreender como ela vive a sua própria vida e o como viverá, possivelmente, o seu morrer. Reflita: para você é fácil sentir que uma determinada etapa de sua vida findou e que está na hora de começar outra? Você tenta se agarrar a algo que sabe que não mais está ali por medo de ir para a próxima fase? Ou por não desejar lidar com a tristeza de perceber o fim daquela época? Como você se comporta com despedidas? Como você lida ao perder um jogo ou ao decidir deixar um determinado lugar?
Agora, de uma maneira ainda mais simples – e talvez por isso, mais incômoda: você consegue sair de um estado emocional quando ele não faz mais sentido para você? Ou mantém-se agarrado à ele por orgulho, por exemplo? Você desemburra rapidamente ou fica fazendo pose? Você mostra o seu afeto ou fica fingindo distância? Como abrir mão de uma forma que estamos usando é a pergunta central de todo o trabalho do autor com a morte porque, segundo ele, essa é a maneira pela qual vamos lidar com o fato de abrir mão do nosso corpo que seria a grande e última perda do ser humano.
Assim vivemos a nossa morte todos os dias nestes pequenos atos de pegar e abrir mão, de conquistar e desistir de algo ou simplesmente de deixar algo ou alguma fase ou alguma pessoa porque não é mais saudável manter-se ali. Estamos lidando com a qualidade do nosso apego e com os medos que podem advir do ato de se desapegar. Assim também trabalhamos com o lado saudável do desapego que seria perceber aquilo que realmente precisamos manter e porque.
A morte, no entanto, é inevitável, assim como as perdas. A vida portanto, nos dá muitas oportunidades de aprender a lidar com aquilo que perdemos e nos possibilita uma preparação para “nos” perder enquanto corpo que é a nossa identificação mais primordial. Veja suas fotos antigas e pense em quantos “corpos” você já perdeu. Tudo aquilo que você fazia com aquele corpo se foi, a sua percepção de mundo com aquele corpo de criança se foi. Lembro-me de que uma pequena sala era um enorme campo de futebol quando pequeno, hoje nada mais do que colocar um sofá.
Ao perder, você se ressente? Tem raiva do mundo ou simplesmente se entrega? A vida perde sentido quando as coisas são perdidas ou você busca uma nova maneira de viver sem aquilo que tinha? O que sentimos em relação às perdas é um bom indicativo de como vivemos e a nossa reação à estas emoções em relação à como vamos lidar com a morte. Arrependimentos? Culpas? Nostalgia?
Viver o seu morrer significa aprender a acompanhar o fluxo inevitável das coisas: da existência à não-existência, ou seja, daquilo que hoje é para aquilo que não mais é e sobre como lidamos com isso. Conta a história que um general que havia passado por muitas batalhas aprendeu a não se apegar mais à vida. Mais tarde já aposentado havia ganho uma bela e rica xícara do imperador para beber chá e numa destas sessões de chá quase deixou a xícara cair e desesperou-se com aquilo. Vendo a obviedade de seu apego pensou em todas as batalhas pelas quais passou e jogou a xícara por cima do ombro.
Moral da história: você na sua forma atual não é o termo último da sua existência (Joseph Campbell). Completo: nunca será e quando se for terá vivido todos estes termos, pronto para abrir mão deles?
Abraço
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