• 15 de dezembro de 2014

    Discutir e agredir

    discutir

    • Mas Akim, não dá para discutir com ele.

    • Porque não?

    • Ele nunca entende nada que eu digo!

    • Como você sabe que ele não entende?

    • Por exemplo: quando eu falei de como eu queria fazer as festas de final de ano, ele não concordou com nada!

    • Hum, então ele concordar com o que você quer é o como você sabe que ele “entendeu”?

    • … É…

    • Mas existe uma diferença entre “entender” e “fazer o que você quer”, não tem?

    • Tem…

    • Ah… Será que você quer “discutir” com ele ou “mandar” nele?

    • Ai…

     

    As últimas eleições provaram como as pessoas tem tido péssimos hábitos de conversação e de discussão. Em parte, creio que isso é reflexo da sociedade de consumo na qual vivemos que tem a regra de busca satisfação sempre. Podemos disfarçar a palavra “satisfação” por “pensamento elevado”, “crítica refletida”, mas a verdade é que no fundo praticamente tudo o que vi de discussões políticas tinha um fator muito mais simples: você concorda comigo, então é amigo; você discorda, então é inimigo.

    Esse radicalismo não está presente apenas nas questões políticas, mas em praticamente todas da nossa sociedade. Se por um lado entramos num período histórico que busca cada vez mais  inclusão do diferente, ao mesmo tempo este mesmo período registra um aumento da intolerância ao diferente. Esta reflexão não é apenas minha em relação ao que ouço em consultório, mas de vários sociólogos também que apontam este fator. E qual um dos grandes problemas que gera esta intolerância? O medo.

    No filme “V de vingança” existe uma personagem que conta a sua história e diz que lembrava-se do momento em que a palavra “diferente” se tornou um sinônimo da palavra “perigoso”. Creio que isso é muito próximo do que vivemos hoje. O diferente é perigoso porque ameaça a minha maneira de perceber o mundo e o lugar que eu me dou neste mundo. Isso não se reflete apenas no “status quo” social, mas em cada pequena discussão que existe com um amigo ou um familiar. Tomar uma posição, defender o seu argumento e agredir uma pessoa ou o seu argumento são coisas muito diferentes.

    O medo é que torna o diferente perigoso. Medo não da nova proposta, mas sim do que ela faz com a minha percepção de mundo. O grande problema não é que a diferença entre as propostas, mas sim como isso afeta a pessoa no seu modelo de mundo e isso vale tanto para um lado quanto para o outro. Quando o medo entra em cena a discussão termina e a agressão começa. Mas como lidar com o medo?

    Assumir o medo é o primeiro passo. Deixar convicções acerca de “certo” e “errado” de lado é outro. Não há discussão quando fixamos o “certo”, o que existe é tentativa de conversão e nada mais. Assumir um posicionamento é diferente de defini-lo como “certo”, na verdade, quem realmente compreende o que é um posicionamento, sabe que ele não tem absolutamente nada a ver com “certo” e “errado”, na melhor das hipóteses temos algo como “o que eu considero melhor para mim neste momento da minha vida segundo estas circunstâncias nas quais me encontro”, ou seja, ao se falar em “certo x errado” o melhor que se pode fazer é falar de si.

    Ao assumirmos o medo podemos conter nossas reações de corrigir o outro e seu discurso e de ficarmos na defensiva. Se o discurso de certo e errado sai de cena podemos tentar perceber uma maneira distinta de ver o mundo. Aí sim é que se pode optar por um caminho ou outro de uma maneira livre, ou seja, sem a necessidade de comprovar o certo ou errado. Chamo à isso de liberdade porque se crio “o” certo, estou criando um dogma, porém se compreendo aquilo como “mais um discurso” posso optar por ele, e optar por outro mais tarde se eu perceber que o meu caminho precisa de uma nova maneira de se expressar. E isso não é ser volúvel.

    Assim quando se discute é importante desejar conhecer o que o outro pensa, tentar compreender e conseguir ver o mundo de acordo com o modelo do outro. Esta é a única maneira de conseguirmos dar o próximo passo que é entrar em sintonia com o outro e aí sim ter uma discussão humanizada. Quando, por outro lado, buscamos converter o outro ao nosso ponto de vista estamos agredindo e não dialogando. Creio que as verdadeiras mudanças se fazem com perguntas e livre escolha e não com dogmatização forçada e argumentos como “você está pensando errado”, “não acredito que você pensa assim”.

    Abraço

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