• 31 de dezembro de 2014

    Insensibilidade

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    • Ai Akim… não quero mais sentir nada disso.

    • Porque?

    • Dói demais sabe?

    • Sim… sei. Está demais para você nesse momento?

    • Eu acho que sim.

    • Então, porque não se dá um descanso?

    • Como assim?

    • Pare um pouco, relaxe e depois voltamos a trabalhar com isso?

    • Dá?

    • Bem, se está demais para você… é melhor do que “não sentir”, afinal estas sensações te ajudaram um bocado não?

    • É… é verdade… é que dói…

    • Sim, mas é importante saber lidar com isso ao invés de simplesmente fugir.

    • Verdade…

    “Ser sensível à” significa a capacidade de perceber determinado elementos através dos órgãos do sentido. A perda de sensibilidade é visto como um problema na área médica pois o órgão está tendo sua função diminuída. Em outras palavras: os olhos são sensíveis à luz, eles percebem o estímulo luminoso e transformam estas informações no que vemos. Se os olhos estão insensíveis à luz eles não podem mais nos dar o que vemos.

    A questão é que, cada vez mais as pessoas buscam pela insensibilidade. Vejo nos noticiários e ouço no meu consultório a demanda cada vez mais crescente sobre “não sentir dor”, “não sentir tristeza”, enfim: “não sentir”, “não ser sensível à”. Dentro da área médica sabe-se que embora a sensibilidade possa trazer dor, trocá-la por um oposto no qual a dor não é percebida não é uma boa barganha. A dor, embora não seja prazerosa, é o nível mais básico de defesa da pessoa, é ela quem avisa o organismo que está na hora de sair de perto daquilo que lhe causa dor.

    A busca por insensibilidade está, em geral, alicerçada na ideia de que sofrer é ruim. Em nossa sociedade a ideia de sofrimento ou dor é vista como algo moralmente ruim, em outras palavras, associamos a dor à um fato moral. Assim sentir dor torna-se algo “errado” e a dor causa duas dores, à saber, a dor em si e a dor de se saber errado por sentir dor.

    Porém sofrer nada tem de “errado”, o sofrimento faz parte da vida e a afirmação disso assim como do fato de que podemos continuar vivendo com a dor é importante. Esta seria uma das formas básicas da filosofia trágica que afirma o trágico da vida, porém não reduz a vida à isso. Ao assumir a dor e o sofrimento assumimos, também, a nossa sensibilidade, nossa capacidade de perceber e reagir ao mundo e aos estímulos do mundo.

    Assumir o sofrimento é importante por causa disso. Não é o fato de sofrer ou não, mas sim de perceber-se capaz de fazer isso, esta é a verdadeira força de uma filosofia trágica. A frase de Nietzsche “aquilo que não me mata me torna mais forte” tem a ver com esta noção de que aquilo que percebo – ou seja, aquilo à que sou sensível – e que eu consigo organizar uma resposta me torna mais forte à medida em que percebo mais do mundo, conheço e reajo à mais do mundo.

    O contrário é o desejo da insensibilidade a qual não nos torna mais fortes e nem mais aptos pelo fato de que nos nega a capacidade de sentir e de perceber  o mundo ao nosso redor assim como seus estímulos. Sem eles não podemos ter uma boa percepção do que nos faz fortes, do que nos faz sofrer e nem daquilo que precisamos para ir adiante.

    Assim, deixo a pergunta: que tal, ao invés de aumentar a sua insensibilidade, aumentar a sua capacidade de lidar com o que você percebe?

    Abraço

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