• 24 de abril de 2015

    Sobre (in)satisfação

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    • Mas daí eu fiquei muito chateado, não se faz isso sabe?

    • O que você fez com isso?

    • Ainda nada, mas vou sair fora do curso.

    • Entendi (seguido de silêncio)

    • Não tem mais nada a dizer?

    • Não, me parece que você tomou uma decisão, deve saber o que está fazendo não é?

    • Não é assim… é que eu acho que ela foi longe demais com aquele comentário.

    • Você acha ou tem certeza disso?

    • Não se fala assim com as pessoas!

    • Pode ser, você acha ou tem certeza de que ela passou dos limites?

    • Ah tá… sei lá até certo ponto sim, mas às vezes acho que é só raiva minha mesmo.

    • Pode ser também. Você quer que eu te ajude com algo nesta escolha ou apenas está me informando sobre ela?

    • Não sei ao certo… estou um pouco confuso sobre o que senti e não sei se devo ao certo sair do curso.

    • O curso não está lá para agradar você em tudo o que você quer, muito menos a professora. Já pensou nisso?

    • É… sei lá…

     

    Vivemos em uma sociedade de consumo. Uma das regras fundamentais deste tipo de sociedade é viver sem que exista contato com a frustração e muito menos com a insatisfação. O resultado? Pessoas que não sabem lidar com uma realidade da vida: de que as coisas nem sempre dão certo do jeito que a gente quer.

    Não, não significa que você fez algo errado, que tem que fazer alguma coisa, que deve montar uma ONG para isso não acontecer à outras pessoas e nem recorrer aos altos escalões. Muitas (muitas mesmo) vezes uma frustração e uma insatisfação é somente  um limite do mundo real para você.

    Fugir da insatisfação é fugir desta percepção. Vivemos num mundo carente de segurança, a emoção da insatisfação e da frustração tornam-se um tanto intoleráveis nestes tempos justamente por causa disso. Porém aprender a lidar com estas emoções faz parte de inteligência emocional de todos os seres humanos. É necessário que se aprenda a se frustrar, falhar e sentir insatisfação para que a pessoa aprenda a crescer.

    O que tem de bom nisso? A pergunta é inadequada e típica de uma sociedade de consumo que pensa apenas no que vem de bom a partir de uma determinada escolha. A questão com a insatisfação é justamente esta: não virá nada de bom. O que você não queria, não aconteceu e ponto. E isso “o que vem de bom”, este é “lucro” que você pode tirar desta lição. Aprender a não ter. Aprender um papel que é típico aos mortais: o da falta de onipotência, em outras palavras, saber que você não poderá tudo, não conseguirá tudo.

    Não saber lidar com isso pode afastar a pessoa de desafios importantes porque ela não deseja sentir a insatisfação, também afeta as relações entre as pessoas que cada vez mais ficam carregadas de necessidades à serem supridas e cria uma perspectiva falsa sobre a vida que promete que apenas coisas boas devem acontecer. Isso não é verdade. A vida é, sim, feita de perdas e frustrações também ignorar isso é fingir que uma parte da vida não existe.

    É importante frustrar as pessoas, dar à elas insatisfação e um pouco de perdas nesses dias. Acho que estas emoções nos ajudam a perceber melhor a nossa humanidade justamente porque nos coloca em contato com o sentimento de potência e não de impotência. Daquilo que é possível e não do que é impossível.

    E você, ainda achando que nunca terá nenhum revés?

    Abraço

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