• 2 de outubro de 2015

    Amar e odiar

    – Akim… eu não sei direito o que faço.

    – Com o que?

    – Eu estou meio desesperada… eu amo o meu namorado, você sabe!

    – Sim.

    – Mas às vezes me dá uma raiva dele!

    – Quando, por exemplo?

    – Esses dias ele me deu umas flores, levou lá no meu trabalho. Eu amei, todo mundo fez gracinha comigo, mas eu amei mesmo assim. Depois eu fiquei olhando as flores um tempão e me senti meio mal sabe?

    – Mal como?

    – Não sei… me deu tipo um frio na barriga, na espinha, em tudo!

    – Hum… este tipo de sensação tem a ver com ansiedade ou medo muitas vezes. Você sentiu algo assim?

    – Acho que sim… eu fiquei tão feliz quando ganhei as flores… mas daí… olhando para elas pensei que tudo pode acabar um dia sabe?

    – Sei…

     

    Todos dizem que amor e ódio andam juntos. Amar alguém e ao mesmo tempo sentir ódio dessa pessoa por um determinado comportamento em uma determinada situação são coisas comuns aos casais no mundo. Porém existe um outro tipo de raiva que se manifesta, às vezes, de uma forma mais sutil e que tem a ver com um tema muito profundo, com a própria essência do que é amar.

    No livro “Amor líquido” Zygmunt Bauman faz uma colocação que me tocou profundamente à respeito da natureza do amor e dos vínculos que criamos. Ele disse que amar, de certa forma, é indeterminar o seu futuro com alguém. Enquanto estamos sozinhos nossa vida é imprevisível, mas é apenas nossa. Quando estamos com alguém as decisões dessa pessoa influenciam diretamente a nossa vida. É como se o grau de incerteza sobre o amanhã pudesse aumentar a partir das relações. Assumir isso e saber viver nesta incerteza é um sinal da aceitação da natureza do amor.

    Qual seria essa natureza? Ele é uma emoção viva. E como tudo o que é vivo, pode morrer. Das várias metáforas que existem sobre o amor a de que ele é um jardim que precisa de cuidado constante assim como de admiração e planejamento é uma das que mais gosto. Amar dá trabalho e ao mesmo tempo é lindo e ao mesmo tempo incerto e ao mesmo tempo precisamos estar cuidando o tempo todo. Aceitar essa natureza nos coloca numa situação de fragilidade, ou seja, estamos entrelaçados com alguém e com uma emoção.

    É aí, que pode nascer a raiva ao amar alguém.

    Amar não traz garantias. Todos os sonhos que criamos podem ou não virar realidade. Isso faz parte da natureza de amar. Esta percepção pode causar medo quando a pessoa não sabe como reagir à ela. Que tipo de medo? Por exemplo, se imagino uma vida perfeita, se meus limites são muito rígidos e eu não sei como lidar com imprevisibilidade qualquer sinal vindo do outro que meus planos meticulosos podem não sair como planejei pode ocasionar em medo de perder meus planos, ou de me sentir um frustrado de não concluir aquilo que quero.

    O medo pode tornar-se uma raiva secreta, sentida e nunca afirmada, muitas vezes nem pela própria pessoa. Ou seja, é possível ter a emoção do medo e da raiva sem sentir estas emoções e – por conseguinte – sem ter consciência dela. Este medo e e esta raiva assumem uma fórmula parecida com o seguinte: “amo você e quero viver com você minha vida, farei trocas e negociarei meus próprios desejos afim de seguir o desejo de estar com você. Odeio você por ser o objeto que causa em mim este desejo de indefinir minha vida e negociar meus próprios desejos. Você me tira do controle de mim mesmo”.

    O mais correto seria afirmar que “temo você”, visto que atribuo à você todo este poder. Porém a emoção da raiva fica mais evidente e, em geral, começamos por ela para, então chegar ao medo. Mas como lidar com o medo?

    Medo é fantasia, medo é a sensação de que poderemos ser feridos de alguma maneira. Temo aquilo que penso que pode me causar dano. O que tememos do amor, em geral, são as traições, o fim, as quebras de contratos. Tudo isso, porém, deve ser levado num nível mais profundo, ou seja, porque tememos isso tudo? O que se teme, de certa forma, é o rompimento. Tudo aquilo que tememos é algo com o qual não sabemos lidar. Então as pessoas pensam: “estou investindo tanto nesta relação, e se ela acabar?”

    Sempre que nos colocamos um problema, uma das primeiras coisas que precisamos fazer é compreender o tipo de problema que estamos criando. A maneira de formular uma pergunta é fundamental nesses momentos, dependendo de como formulo uma questão, chegarei à um resultado ou à outro. O problema com a maneira pela qual as pessoas temem o amor é porque elas concebem o amor de uma maneira errada, por isso o temem o seu fim. O amor é algo vivo, portanto pode falecer. Uma vez que faleça, não há nada para fazer. Portanto o amor só pode ser vivido enquanto algo que está acontecendo e não algo num futuro ou no passado.

    Compreender o amor assim é compreender que ele “é”, ele não foi e nem será. É óbvio que podemos – e devemos – fazer planos, mas compreender que o amor ocorre no aqui e agora é a solução para o medo que temos de um futuro possível em relação aos vínculos que criamos. Sempre questiono meus clientes da seguinte maneira: sim, você pode investir nessa relação e ele (a) terminar com você mais tarde. Porém, ele (a) também pode simplesmente morrer. E aí você não terá mais uma relação do mesmo jeito, se ele(a) morresse daqui a duas semanas, o que você faria? Boa parte me responde que iria aproveitar o máximo possível. Porque não fazer isso sempre, então?

    A compreensão de que as relações e amor pode acabar não invalida o que existe. Aprender a fazer planos vivendo o que existe e compreendendo que mudanças nos nossos planos são inevitáveis é uma das soluções que ajuda as pessoas a vencerem o medo oculto que qualquer relacionamento sério traz consigo. Ao vencer o medo, o ódio e a raiva nem sequer tem lugar. Ao final, o que realmente descobrimos é que o maior medo que temos não é, de fato, o medo do fim de alguma coisa, o maior medo que temos é de sermos felizes e aceitarmos esta felicidade em nós. Porque nada deixa o ser humano mais transparente, “frágil” e aberto que a felicidade. Nela, não seguramos nada, não mentimos nada, apenas aceitamos as coisas tal como são e vivemos elas da melhor forma possível. Aceitar isso é abrir mão de ilusões, é desiludir-se da vida e aceitar a vida… e isso pode ser muito difícil.

    Abraço

     

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