Um general estava em casa admirando uma certa relíquia que admirava muito (uma xícara). A relíquia escorrega de sua mão e quase se quebra, ele, apavorado segurando o objeto próximo ao chão percebe sua situação e reflete:
– Liderei milhares de homens na guerra e nunca temi a morte. Porque me assustei tanto hoje por causa desta pequena xícara?
Finalmente, o general percebeu que se assustara porque havia diferenciado gostar de não gostar. Então jogou a xícara por cima dos ombros quebrando-a em pedaços.
Moral da história: a preocupação com ganho e perda nos dá sensações de felicidade e tristeza. Deveríamos transcender os conceitos de bom e ruim, ganho e perda. Ser feliz é agir conforme as circunstâncias seja elas quais forem.
(“A relíquia do general” foi extraído do livro “Zen em Quadrinho de Tsai Chih Chung)
O desapego tem importância fundamental para o nosso funionamento psíquico. A capacidade de se desapegar é central em processos de luto, decepção e auxilia a pessoa a ser capaz de captar sua energia para si e aplicá-la em outras atividades ou relações. Mas, porque é tão difícil se desapegar?
Para pensar nisso temos que pensar no apego e como ele se forma. Quando nos apegamos à algo ou alguém existe a tendência de criarmos vários vínculos em relação ao objeto do apego. Estes vínculos podem ir desde o estabelecimento de uma rotina diária, como no caso do nosso trabalho ou da rotina de tomar café da manhã com
a família, como também pode envolver processos emocionais mais complexos e profundos como a identidade, no caso de quando nos tornamos um profissional (“sou um psicólogo”) ou quando nos tornamos pais (“agora sou pai”).
Em nossa mente vinculamos o objeto do apego com estes elementos e, quando pensamos no elemento, tendemos a pensar no objeto como um fator fundamental, ou seja, quando penso em minha rotina, por exemplo, penso nas pessoas (pensando que me apeguei à elas, por exemplo) e no que elas farão. A experiência subjetiva fica vinculada à essas pessoas que são o meu objeto de apego. Quanto mais importância esses objetos tem ou quanto mais importância se dá à eles, maior o apego.
Deixando mais claro: o idoso que se aposenta e está muito apegado à sua profissão. Quando a pessoa inicia a vida profissional se identifica e se apega ao papel de profissional com isso cada vez que pensa em si mesmo, logo o papel profissional está presente. Existe um “grude” entre ele e o papel que é o que chamamos de “apego”. Se esta pessoa
não tem uma boa vida social e acaba criando seus vínculo mediante ao papel profissional, por exemplo, ao se aposentar é possível que se veja com medo de largar de seu papel porque não irá conseguir pensar em como criar vínculos sem a profissão ao seu lado.
O problema do apego está ligado, então, à imobilidade na qual a pessoa fica quando se apega à algo, seja esse algo (objeto) um papel, uma pessoa ou um objeto. Nos tornamos dependentes daquele objeto para raciocinar nossa vida. A importância dele se torna desmedida porque se assemelha à nossa identidade. Assim, o ato de se desapegar se torna problemático porque existe uma identificação profunda entre o objeto e a pessoa.
É interessante lembrar que “desapegar” não significa “esquecer”. Desapegar-se é tirar a importância e a energia investidas em determinado objeto para ficar com ela livre para você. No entanto, como tirar a importância de algo se acredito que este algo é fundamental para a minha felicidade? Ou se creio que minha sobrevivência depende disso? Este é o dilema do apego.
O que fazer então? A questão é aprender, inicialmente, a buscar outras maneiras de viver e executar aquilo que precisa. No caso do aposentado, por exemplo, é importante que ele aprenda a fazer amigos e ter uma vida social independente do seu papel profissional. Com isso, ele entende que, embora esse papel possa ajudar, ele não
necessita dele para ter amigos. Esta percepção evita que ocorra a identificação entre o papel, a função e a pessoa.
O general, por exemplo, a metáfora é linda! A xícara tem a ver com a vida. “Quebrar a xícara” tem a ver com morrer, quando lemos “a xícara favorita” estamos falando da própria vida dele e o quebrar da xícara é a morte. Quando o general reflete sobre todos os infortúnios de guerra pelos quais passou conclui que é inútil manter-se apegado à algo que não tem como ser “salvo” porque a morte é o nosso fim. Ao jogar por cima do ombro a própria vida ele se desapega da necessidade de estar vivo para poder viver. Isso é um pouco estranho ao pensamento ocidental, porém vários autores como Lowen no “O medo da vida”, mostram que ter medo de morrer por vezes nos impede de viver.
Abraço
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