• 24 de fevereiro de 2016

    Não há substituto

    O noviço pergunta ao monge:

    – Qual o significado do zen?

    – Gostaria de lhe dizer… mas agora preciso ir ao banheiro. – Responde o monge.

    – Pense sobre isso, algo tão insignificante que ninguém pode fazer por mim.

    Continua o monge e, olhando para o discípulo, fecha a conversa:

    – Pode fazer por mim?

    “Ninguém pode entender as grandes questões da vida por você. Repetir as ideias dos outro é agir como um papagaio, que fala sem saber o que diz.” (do livro Zen em Quadrinhos de Tsai Chih Chung)

    Terapia é um processo interessante. Muitas vezes precisamos estar em contato com um terapeuta para, simplesmente, falar, perceber o que já percebemos sobre nós. É quase como se fosse um test drive de realidade: você percebe algo sobre você, matuta, sente-se inseguro ou não consegue acreditar; vai para a terapia, oscila e diz, confirma, afirma, se compromete e, quando faz isso, testa a sua verdade no mundo. Por vezes é o primeiro contato que temos com a nossa própria verdade.

    É comum que no início do processo a pessoa sinta que é o terapeuta quem deve lhe dizer as coisas, as verdades, ajudá-la a desvendar o seu mistério, afinal de contas, é para isso que ela o está pagando certo? Ocorre que sem o que sai da boca da pessoa e sem a entrega dela nenhum processo anda. É como comprar um televisor mas não ligá-lo ou pagar uma academia sem ir à academia.

    Este primeiro momento é quando nossas expectativas ainda estão na salvação que vem de fora. Obviamente o terapeuta é uma pessoa que vai ajudar com perguntas e com exercícios porém é exercitando aquilo que acontece na terapia que a pessoa começa a se perceber e poder perceber suas verdades. Um fenômeno interessante sobre isso é que o terapeuta fala a mesma coisa muitas vezes para somente algum tempo depois a pessoa sacar aquilo que já havia sido dito.

    Isso não é perda de tempo, isso é o processo. Nem sempre compreendemos as coisas de pronto, precisamos de um tempo para nos habituar ao saber, ao conhecimento de nós mesmos. Nesse sentido, ninguém pode nos ajuda, ninguém pode nos salvar. Neste segundo momento a pessoa deixa de colocar no terapeuta a responsabilidade pelo seu processo e assume para si isso. Ao começar a buscar suas próprias respostas a terapia – paradoxalmente – torna-se mais interessante ainda.

    É nesse momento que se partilham descobertas e percepções ao invés de apenas dúvidas e projeções. Ao assumir que sua verdade pode ser compartilhada é que a pessoa aprende a compartilhá-la. Com isso é que ela pode, finalmente, ter um diálogo e não um monólogo com seu terapeuta. Por que nesse momento? Porque, a partir daí, ela “torna-se pessoa”.

    O interessante sobre as histórias zen é que em sua essência elas dizem que descobrir o zen é descobrir “nada”. Descobrir quem somos é algo parecido. Não se descobre “algo importante”, ou tem-se uma radiante e profunda revelação cósmica que muda a sua vida. Não é um grande show de fogos de artifício, muitas vezes é apenas a sensação tranquila de respirar e sentir-se em casa, o momento em que a inquietação some, que percebe-se que não há nada a descobrir porque, de uma forma estranha, “tudo está bem”.

    Abraço

     

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