• 9 de março de 2016

    Perfeição

    – Então… eu não fiz de novo.

    – Porque não?

    – Eu não estava… preparada sabe?

    – Não, não sei.

    – Eu olhei e fiquei pensando e se eu não conseguisse fazer certinho?

    – Faria meio certo e meio errado oras, qual o problema?

    – Eu… não consigo…

     

    A perfeição. Tão desejada e ao mesmo tempo tão perversa. O desejo de ser e agir de maneira “perfeita” tem colocado muitos de nós em evidência e muitos, muitos, muitos outros em prisões emocionais que não permitem liberdade. Afinal, pra que perfeição?

    A perfeição tem assumido muitas maneiras de ser buscada na modernidade. Aquela que é mais comum se refere à uma pessoa que deseja muito ter determinadas qualidades e características. A pessoa é precisa, “dura”, e sempre está discursando sobre o quão importante é aquilo que ela busca, muitas vezes é admirada por suas virtudes e fica evidente que ela gosta de ser admirada por aquilo.

    Em outras pessoas esse desejo pela perfeição é mais “quieto”. São aquelas pessoas que nem sequer pensamos que desejam a perfeição, mas estão, à sua maneira buscando um status preferencial ao demonstrarem um tipo estereotipado de comportamento.

    Talvez você leitor tenha pensado em pessoas “boazinhas” demais, intelectuais demais ou trabalhadoras demais. Essas buscam a perfeição e se tornam até enfadonhas. Talvez não lhe ocorra que uma pessoa como um roqueiro ou, até mesmo, um vândalo também possam estar buscando a perfeição. Não, não me refiro à perfeição técnica em voz ou guitarra, mas sim à perfeição moral mesmo.

    Como assim?

    A perfeição tem a ver com características que a pessoa julga de alguma maneira “boas” e “virtuosas”. O que determina estes elementos é a moral que a pessoa segue. Assim desde um ideal cristão até um ideal “punk” possuem suas virtudes consideradas boas e ruins. A busca pela perfeição, no entanto, engessa ambos os lados.

    O engessamento que a busca pelo perfeito traz não se refere à busca de um ideal, mas sim à falha na percepção de que todo ideal possui falhas, todo ideal é limitado e não consegue captar toda a complexidade do mundo. Assim sendo quem busca por um ideal se fecha dentro de um limite. Até aí, normal segundo o existencialismo, porém uma pessoa que não está comprometida em “ser perfeita” consegue reconhecer quando o ideal falha e não perde muito de seu tempo tentado justificar isso, apenas reage.

    A reação significa abarcar uma parcela de mundo, de experiências que o ideal que ela tem não envolve, não resolve ou então que se torna moroso na percepção e resolução. Falando em termos mais “fáceis”: é quando a pessoa, por exemplo, descobre que sexualidade é algo bom e que pode ser muito saudável, mas não consegue abandonar um ideal de que o sexo é sujo e pecaminoso. O outro lado da moeda é quando a pessoa começa a amar alguém e o desejo de viver uma vida com raízes esbarra na sua cultura de “seja do mundo e não seja de ninguém”.

    Estes dois exemplos mostram que os ideais vão até um certo limite. Depois disso eles perdem sua força, ou então, aquilo que o nosso ideal prega como “ruim” é justamente onde vamos “amarrar a nossa égua” (carma, destino?). É nesse momento que aquela pessoa comprometida com a “perfeição” solapa: ela sabe que deve abandonar o ideal para ser feliz, mas não consegue, não está disposta a pagar o preço pela sua liberdade. E se a perfeição não lhe faz livre para ser livre… pra que ser perfeito?

    Abraço

    Comentários
    Compartilhe: