– Não sei se devo.
– O que te faz ter esta dúvida?
– Bom… é que… não sei, se eu pedir fico meio assim.
– “Meio assim” como?
– Meio que com medo sabe?
– Sei, medo do que?
– De que talvez ela vá me cobrar isso no futuro.
– E de que maneira você sente isso como algo ameaçador?
– Eu não quero ficar devendo para ela.
– Você não sabe “dever”?
– Não gosto.
– E que tal sentir gratidão e agir por esta razão?
O comportamento de auxílio é comum em humanos e outras espécies, porém muitas pessoas se sentem mal em receber auxílio, porque isso acontece?
Porque ajudamos alguém? Ajuda é um comportamento que ajuda a firmar redes sociais pela percepção das dificuldades. Aquele que ajuda mantém a integridade da relação assim como do círculo social mais amplo, quem é ajudado percebe a força que o círculo social possui. A empatia é a emoção fundamental para este ajudar alguém. É a partir dela que percebemos a dor ou dificuldade e conseguimos imaginar a melhor maneira de auxiliar.
Por outro lado, a capacidade de ajudar pode ser confundida com uma diferença de poder que envolve moralidade. O ajudador é visto, neste cenário, como alguém que “pode mais” do que quem é ajudado e, portanto, “é mais”. Com esta percepção cria-se a noção de “dívida”, um fica devendo ao outro como se a ajuda funcionasse como um empréstimo.
O interessante é perceber que, de fato, o ajudador tem um “status” social diferenciado mesmo em outras espécies. Este “status”, porém, não recebe uma concepção moral, ou seja, não é obrigação de quem recebeu ajuda ajudar ou ficar com uma moratória esperando ser cobrado por qualquer coisa. Outra emoção possível e que funciona como “pagamento” emocional é a gratidão.
A diferença entre sentir gratidão e cobrança quando se recebe ajuda varia, muito, em função de como a pessoa encara a função da ajuda. Se “ajudar” implica em manter a coesão da relação, a gratidão será mais facilmente sentida, pois o ajudado e o ajudador estão, ambos, ligados em função de algo maior que eles: a relação. Por outro lado, se significar um dando ao outro algo que não tem, será visto como dívida e terá uma função moral, neste caso o ajudador e o ajudado não estão na mesma sintonia e precisam se equilibrar.
Pessoas com baixa auto estima tendem a criar relações moralizantes de ajuda, sua tendência é perceber que está recebendo algo que não merece e, portanto, precisa recompensar. Nestes casos a “recompensa” aprisiona aquele que recebe a ajuda e o faz escravo do outro. Não percebe que, mesmo que seja o caso de recompensar, isso tem começo, meio e fim, dívidas tem um valor e uma forma de pagamento, elas não são eternas.
De outro lado, perceber que quem ajuda também recebe algo no ato de ajudar é importante. Voluntários, por exemplo, são pessoas que sentem-se muito bem em ajudar e não desejam recompensa e dizem que a suposta recompensa está no ato de ajudar. Isso é perceber a função de ligação social que a ajuda possui, de criar, manter e fortalecer os vínculos. O sentimento de potência sentido por quem ajuda não é às custas daquele que está necessitado, mas sim em detrimento da competência de quem ajuda em conseguir fornecer ajuda. Uma das sensações mais dolorosas para o ser humano é observar alguém necessitado e não saber como ajudar, sentir-se impotente frente à dor alheia.
Vencer a percepção de que seremos escravos de outra pessoa por termos sido ajudados, ir além dos ditos “é melhor ajudar que ser ajudado”, nos leva à uma concepção mais profunda do que é estar em sociedade e comunidade. De uma forma mais pessoal, renova a nossa humanidade ao nos permitir ser fortes e fracos ao mesmo tempo.
Abraço