• 15 de abril de 2016

    Culpa

    – Eu não vejo porque deveria me sentir culpado.

    – Não vê?

    – Não.

    – Mas sente?

    – Sim.

    – O que será que te permite sentir isso, então?

    – Não se deve sentir culpa sabe? Ela só atrapalha as coisas.

    – De que forma ela atrapalha?

    – Ah, te faz não fazer coisas, ou sentir mal depois de fazer.

    – Sim e porque isso “atrapalha” “as coisas”?

    – Porque daí você não fazer o que quer.

    – E o que tem de mal em não fazer sempre o que se quer?

    – Nossa Akim!

     

    Procuramos fugir da culpa, não sentir culpa e arranjar discursos para que esta emoção nunca esteja presente em nossas vidas sob a falsa acusação de que é a culpa quem atrapalha nossas vidas. Qual o lado bom da culpa?

    A emoção de culpa durante um bom tempo foi acusada de ser o grande mal da sociedade. Inúmeros autores e cursos foram ministrados afim de exterminar esta sensação dolorosa que nos prende em ideias retrógradas sobre o mundo e como as coisas devem ser. Libertação era a palavra da hora, libertar-se das amarras de culpas que não são suas e ir de encontro ao seu destino.

    Nada contra, concordo que a culpa é uma emoção que pode ter suas origens em “mandamentos” que não servem bem a pessoa. Muitas das pessoas que atendi carregavam a emoção de culpa colocando-a como a emoção de base em relacionamentos afetivos e isso tornava as relações muito dolorosas e a vida insuportável.

    Porém a culpa nem sempre é um problema, muitas vezes ela é a salvação. A emoção de culpa remete à um ato que vai contra aquilo que pregamos. Daí o problema que foi tão atacado nos anos 70: a culpa que se falava naquele momento era em relação à um conjunto de valores morais e religiosos que não eram mais aceitos por toda a população. Sendo assim, precisávamos nos livrar – não da culpa – mas sim do apego aos valores que geravam a culpa e impediam pessoas de viver vidas diferentes do “script” social da época ou vivê-lo com culpa.

    No entanto, o que fazer quando os valores que são feridos são os nossos próprios valores? Ou seja, se cometo um ato que vai contra o que entendo como melhor para mim e percebo o dano que isso me causa, porque não me sentir culpado? Ou ainda, ao cometer uma infração que no momento achei ser tranquila, mas, depois sob a ótica de um terceiro percebi que era algo inadequado, porque não sentir a culpa?

    A emoção vem, justamente, para marcar – com ferro e fogo – este deslize. A culpa marca o ato e o momento em que ele foi cometido. Se a pessoa usa a culpa como a emoção que fará sua mente e comportamento se organizarem diferentemente na próxima vez a culpa terá sido adequada e produtiva. A decisão de agir diferente e a maneira de agir pode sim, ser decididas de antemão. A decisão aumenta – exponencialmente – a probabilidade do novo comportamento acontecer.

    Assim, de certa maneira, quem não deseja sentir culpa nunca, não sabe direito o que quer. Nossas convicções são limites e quando os ferimos precisamos de uma emoção que nos informe sobre isso e organize o comportamento futuro, esta emoção é a culpa.

    Culpar-se é prejudicial quando o sistema de valores que usamos não é o nosso ou nos causa mal. Além dessa situação a culpa é mal empregada quando a pessoa exagera na intensidade da emoção e passa longos períodos culpando-se. Esses dois empregos da culpa, no entanto, fazem parte, geralmente de um padrão de personalidade que também precisa ser revisto pela pessoa. Dito isto, culpar pode ser muito positivo. Abram alas.

    Abraço

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