– Akim, eu posso me curar disso?
– Você sente isso como uma doença?
– Sim… é algo que parece que não sei de mim, que não me faz bem.
– Você sente que é possível se “curar” disso?
– Eu quero, por isso estou aqui.
– Veja, se “curar” significa nunca mais sentir medo, não. Mas se significa aprender mais sobre o seu medo e ter mais controle sobre suas ações enquanto sente medo, sim.
– Hum… eu não queria sentir mais medo.
– Isso é como não querer mais sentir fome, não dá. Porque não me fala sobre seu problema com o medo?
É possível falar em “cura” dentro de um processo de terapia? O que seria essa cura? Muitas pessoas tem dificuldades em compreender este tema, que é central dentro da psicoterapia. Não, não estou falando de leigos, estou falando de psicólogos também.
A palavra “cura” está relacionada à doença em nossa cultura, porém, como já afirmei em outro post sobre o tema este significado não é único. Ocorre que, depois do início da luta antimanicomial, a ideia de “cura” dentro de um processo de terapia se tornou uma palavra de baixo calão ou até mesmo de falta ética. Por outro lado, muitos psicólogos dizem que as pessoas fazem um “tratamento”, então, como tratar algo que não se cura?
O grande apelo que se faz é no sentido de não tornarmos as pessoas “doentes” em potencial. Em outras palavras, quando afirmamos que alguém está doente e precisa de tratamento, colocamos esta pessoa fora da linha da normalidade, considerando-a “anormal”. O problema dentro da área humana é como considerar este “normal”. Se a qualquer tipo de comportamento ou característica que não seja numericamente superior tem de ser tratada como “anormal” e, portanto, doente.
Ao longo do tempo um grande movimento começou a entender que a estatística é apenas estatística e nada há de errado com as pessoas apenas porque seus números não são expressivos em relação à população geral. Um problema maior surge quando, por exemplo, algo que é considerado uma doença atinge as proporções numéricas de maioria. A obesidade, nos EUA, por exemplo, acomete mais da metade da população considerando todas as suas manifestações. Assim seria “normal” ser gordo e doença ser magro nos EUA?
Esta foi, de forma geral, a reflexão que fundamenta a outra discussão sobre “cura”. Se um comportamento só é tido como anormal por causa de uma questão numérica, seria ele, de fato, anormal ou doente? O problema é que mesmo que um comportamento não possa ser considerado doente, isso não significa que ele não faça mal para a pessoa. Afinal de contas, as pessoas não buscam psicoterapia porque sentem-se bem em relação a elas mesmas, mas sim porque algo incomoda.
A cura pode ser empregue neste sentido. Não como um grande mistério, mas sim como algo simples onde “curar” significa, por exemplo, aprender a controlar a sua ansiedade. O sentido que atribuímos as palavras é mais importante que as palavras em si, assim sendo, quando a pessoa pergunta se ela é “doente” eu pergunto: você se sente doente?
Se ela se sente doente posso encarar a sua melhora como uma cura. “Doente”, no entanto, sempre deixo claro não é um rótulo, mas sim uma percepção que ela tem sobre o seu próprio estado. Trata-se do nome que se dá e não de um rótulo imposto pela sociedade e, ainda, se isso faz parte da percepção da pessoa é importante de ser tratado.
No exemplo que dei acima, trouxe a maneira pela qual lido com o tema em terapia. Não precisamos, enquanto terapeutas, temer a palavra cura ou rapidamente buscar fazer a pessoa esquecer disso. Trabalhar com o significado da palavra é muito mais importante do que dar outro nome. Fica a reflexão.
Abraço