• 1 de agosto de 2016

    Preguiçosos crônicos

    – Eu queria falar contigo sobre eu arrumar meu quarto.

    – Hum… o que quer falar?

    – Eu queria falar que eu pensei novamente sobre o assunto e acho importante.

    – Ótimo, você chegou a arrumar ele?

    – Não.

    – Ok, então falemos de outra coisa. Quando você fizer algo de fato, conversamos, se não, vamos para assuntos que não foram, ainda, tratados.

     

    A preguiça tem se tornado uma virtude em si. A praticidade tem permitido que a preguiça se manifeste cada vez mais no mundo, existe um limite para esta expansão?

    “Preciso me motivar”, “preciso que alguém esteja comigo”, “preciso que isso seja legal né?”… Uma das virtudes reais do preguiçoso é a sua capacidade infinita em arranjar desculpas para não fazer algo que precisa fazer. A questão do preguiçoso é que não importa quantas soluções você encontre para as barreiras que ele arranjar: ele sempre irá colocar mais uma e se tudo mais falhar ele se utilizará do pièce de résistance “então amanhã eu faço”.

    Em meu consultório, quando detecto a preguiça, não gasto muito do meu tempo. Simplesmente digo à pessoa que é um tema que só vamos tratar novamente quando ela realmente fizer algo à respeito. Mantenho firme a posição, toda vez que ela coloca o tema em pauta, eu reforço: “só posso discutir fatos, não quero gastar o seu dinheiro falando sobre sua preguiça”.

    De um lado, a crítica poderá vir dizendo que sou muito radical, porém este julgamento é exatamente o julgamento usado pelo pensamento preguiçoso. Não há nada de radical em dizer que uma atividade que requer uma ação, requer uma ação. O radicalismo está no oposto, em julgar que há saídas possíveis para uma atividade que requer uma ação a não ser a ação de executá-la.

    Minha saída em apenas falar com a pessoa quando ela agir é plenamente coerente. Se tenho uma atividade para a qual não resta pensar, apenas a ação, nada adianta continuar refletindo sobre ela, a única reflexão realmente “terapêutica” seria a partir do momento em que novos dados estiverem disponíveis e isso só ocorre com a ação. O problema é que o preguiçoso não pensa assim, ele realmente acredita que ficar “refletindo” sobre um tema que já está refletido em sua plenitude terá algum “efeito mágico” que o fará executar a ação sem esforço, ou, melhor ainda, evitar a ação.

    A espera por alguém, algo ou alguma situação que evite o problema é o que espera o preguiçoso. Isso diferencia o preguiçoso, do prático, por exemplo. Este último busca pelas formas mais fáceis de executar uma tarefa, porém, ele executa a busca. Ninguém poderá culpar alguém por ter uma rotina bem elaborada e ter tempo de sobra por causa disso. Porém, isso não acontece com o preguiçoso: ele está sempre com um monte de coisas para fazer e poucas vezes dá conta satisfatória de tudo.

    É importante, eu creio, simplesmente dizer “você é preguiçoso”. Temos uma cultura na qual acusar alguém de ser preguiçoso, mesmo que a pessoa seja, é considerado uma espécie de preconceito. As desculpas para não fazer o que a pessoa deve fazer são inúmeras e em comunidade defende-se o “direito à preguiça”. Se fossem defendidos, com o mesmo empenho, o direto às “consequências da preguiça”, socialmente estaríamos bem, porém o que se deseja é o bônus sem o trabalho necessário para merecê-lo.

    Abraço

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