• 7 de setembro de 2016

    O desejo de nada

    – Mas eu quero Akim! Estou falando que quero!

    – Sim, falando, mas não fazendo.

    – Ah, sei lá.

    – Se você realmente quer, me diga o que te faz gostar tanto de quando sua mãe vai na sua casa?

    – Ah, ela faz tudo para mim lá né? É bom!

    – Bom, no sentido de prazeroso, sim. Bom no sentido da sua personalidade não. Você não se sente um tanto envergonhado em mandar as visitas lavarem sua louça e roupa? Você faria isso com seus amigos?

    – Não né? Imagina, mandar um amigo meu lavar roupa (risos).

    – Mas você faz isso com sua mãe.

    – Mas ela é minha mãe né?

    – E? Ela está na sua casa! Ela é sua visita! Se ela fizesse, por você, parte do seu trabalho, você permitiria?

    – Sim, com certeza! Imagine o sossego!

    – Este é o discurso de quem não quer fazer. Você até faz, mas apenas por pura necessidade, mas isso não é um desejo seu!

    Pró atividade, criatividade, desejo de vencer são temas comuns na nossa cultura. Dizer que você não deseja isso é um tanto embaraçoso. Porém, muitas pessoas sentem o desejo por nada, querem ficar quietas no canto delas. Não manifestar este desejo, nem para si, é perigoso.

    Porque é perigoso? Ocorre que o desejo não manifesto de ficar amoitado se mistura com o discurso de fazer algo com sua vida. Esta mistura é perniciosa já que pode levar a pessoa a sabotar processos de independência. Em outras palavras: sabe aquela pessoa que vai e faz e começa a conquistar algo e, então, “do nada”, acontece alguma coisa e ela cai fora ou o negócio quebra? Pois é, muitas vezes o verdadeiro problema é que ela, no fundo, não quer “crescer e acontecer”.

    Mas o que leva a pessoa a não querer crescer? O desejo de ser eternamente cuidada por alguém. Um dos pontos mais nevrálgicos da evolução da personalidade é aceitar a responsabilidade pela própria sobrevivência. Tocar neste ponto envolve lidar com a percepção de que somos sós, que ninguém poderá fazer nossa vida por nós. Nos faz lembrar da mortalidade que traz como condição a manutenção da vida. O “desejo de nada”, como afirmo, é o desejo de permanecer naquele momento em que temos a ilusão de sermos cuidados, de que alguém é o responsável por nós e que nada devemos temer.

    Assumir-se adulto é assumir o medo que a vida traz quando nos defrontamos com a realidade de que nós é quem vamos nos fazer crescer. Muitas pessoas não possuem esta ideia bem elaborada, ressentem-se dela e, quando começam a ter sucesso, o mesmo é visto desta percepção imatura e o que ocorre é que a pessoa teme a percepção de que está só, por isso, sabota seus projetos: apenas para voltar a depender de alguém e não ter de lidar com a realidade de estar só.

    Não vou empregar um discurso de que responsabilidade “é bom”, no sentido de prazerosa. Não o farei porque ela, muitas vezes é e em outras não é prazerosa. O que vou afirmar é o trágico da vida: existe dor e prazer no mundo. Isso é tornar-se adulto: ver a dor e prazer como são e não como pontos de partida da criação de uma moralidade. Por vezes a dor é importante e necessária, em outras vezes o prazer. Assumir estes dois lados é fundamental para uma vida mental saudável porque é aceitar fenômenos que precisam ser aceitos. Alguns clientes me falam que no casamento tem coisas boas e ruins, eu retruco: tem algo na vida que não é assim?

     

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