– Não tenho nada para falar hoje, não aconteceu nada de diferente.
– Sim, várias vezes isso acontece não é?
– Verdade… até estou pensando que não vale mais a pena ficar vindo aqui.
– Também acho.
– Sério?
– Sim, mas não pelo motivo que você está pensando.
– E porque então?
– Você já parou para pensar que se “nada está acontecendo”, pode ser porque você “nada está fazendo”?
– Não… mas o que eu vou fazer?
– O que você poderia fazer com o que trabalha aqui?
A falta de assunto em terapia pode ter muitas causas, uma delas é a dependência de eventos. Você sabe o que é isso?
Muitas pessoas chegam a terapia e declaram: essa semana não aconteceu muita coisa para eu falar. Ótimo, afinal de contas a terapia não é um processo de relatos sobre o que aconteceu com a sua semana! Não? Não! O processo de terapia independe daquilo que aconteceu ou deixou de acontecer na sua semana e se você precisa que algo aconteça para poder trabalhar seus conteúdos é porque está dependente de eventos.
O processo de terapia envolve a reflexão pessoal e a busca ativa em se colocar em situações diferentes. Quando a pessoa traz que “nada aconteceu na semana” isso pode ser um reflexo da dependência dos eventos. Esta dependência se manifesta pela percepção (consciente ou não) de que algo precisa acontecer para eu testar aquilo que estou trabalhando na terapia.
Essa percepção é equivocada porque a pessoa que está, de fato, num processo de mudança busca pelos eventos, cria a situações ao invés de ficar esperando por elas. Essa busca , inclusive, necessária para que o grau de reflexão pessoal aumente. Quando a pessoa ativamente busca por novas maneiras de se comportar e se colocar em novas situações ela pode experimentar (e não testar) aquilo que desenvolveu em terapia. Esta experimentação é necessária para que o registro de um novo comportamento ou uma nova motivação para os mesmos comportamentos seja elaborado pelo cérebro e pela mente.
Então quando o dependente de eventos diz que nada aconteceu é porque ele não aconteceu durante a semana. Está deixando a terapia dentro da sala do terapeuta e não levando as reflexões para a vida. Outra característica do dependente é que ele entende que deve “testar” aquilo que aprendeu e não experimentar. A palavra teste remete à prova, então ele precisa provar que algo aconteceu, porém isso não é adequado porque o resto do mundo não está testando a pessoa, mas sim, simplesmente sendo o que é. A vida não é uma prova.
Outra característica é colocar a responsabilidade daquilo que ela deve fazer sempre nos outros ou em um futuro distante. É um comportamento típico a pessoa refletir e refletir novamente e não agir. A falta de ação a leva à um marasmo e um tédio. Ao invés de assumir o tédio, ela projeta a responsabilidade do tédio em cima de outras pessoas ou situações. É a morte da criatividade. “Nada acontece”, isso, na verdade, significa que aquilo que a pessoa queria que acontecesse não ocorreu. Porém ela é a única responsável por isso, o problema é que muitas vezes nem mesmo ela sabe o que deseja e para não entrar em contato com este vazio, o projeta.
Terapia não é para o terapeuta, é para a vida. Então leve aquilo que discutiu na sua sessão para dentro de sua mente e crie novos comportamentos, vá a lugares novos, invente e reinvente a sua vida com o que você discutiu. Discutir, refletir e entender sem criar mudanças é matar aquilo que foi refletido.