• 23 de dezembro de 2016

    Agir e relaxar

    Este post é um complemento do post “O direito de viver”. Sua função é dar uma amplitude maior ao leitor à respeito de dois elementos distintos com os quais fazemos muita confusão: ações da vontade e ações que não envolvem a vontade.

    À primeira vista parece estranho pensarmos em uma ação que não envolva a vontade, ou seja, como posso agir sem ter a vontade para fazer isso? Se você pensar no seu corpo tudo começa a ficar muito simples: inúmeros processos estão ocorrendo em você neste exato momento, vários deles você não está fazendo por “vontade” e outros você sequer tem consciência.

    O nosso cérebro assim como a nossa pessoa funcionam de maneira similar. Existem elementos os quais pensamos, decidimos e agimos. Por exemplo a movimentação dos músculos estriados esqueléticos, conhecido como “músculos da vontade”. Você mexe sua perna usando a vontade, você decide movê-la e ela se move. Ao longo do tempo padronizamos a maneira de nos mover e fazemos isso sem prestar atenção, porém, se o fizermos podemos interferir no curso de uma determinada ação.

    Outros tecidos musculares como os do coração, do estômago e intestinos nós não controlamos através da vontade. Não conseguimos fazer nosso coração disparar ou interromper sua movimentação da mesma maneira com a qual abrimos e fechamos nossa mão. Quando muito conseguimos inferir no processo através de outros procedimentos, por exemplo: sabemos que se modificarmos o ritmo de nossa respiração podemos alterar os batimentos cardíacos. Porém a influência é indireta.

    Assim como a musculatura, existem outros elementos como crenças, emoções e pensamentos dos quais sequer temos consciência. Isso não se trata apenas do conhecido inconsciente freudiano, mas também de processos que influenciam nossa psique e nem sequer existem nela seria o que Damásio propõe como uma espécie de “inconsciente biológico”.

    Por exemplo, podemos inferir na raiva através de repensar aquilo que nos causa raiva, encontrar maneiras de expressar nossa raiva, aprender a nos acalmar quando ela surge, porém nenhum ser humano pode dizer que não possui raiva dentro de si. Quer você tenha ou não consciência de sua raiva, ela existe, assim como sua bile e o ácido gástrico no seu estômago.

    Portanto em alguns casos é imperativo o uso da consciência e da ação voluntária para realizarmos mudanças. Tomadas de atitude, reflexões para tomada de decisões e mudanças de hábitos são exemplos disso. Já outras não. Um exemplo clássico é o choro. Não precisamos fazer absolutamente nada para chorar. Em consultório, o grande desafio de muitas pessoas ao sentirem tristeza é o de deixar de querer agir de maneira voluntária sobre a emoção e simplesmente deixá-la se manifestar.

    Este é um nível complexo de ser compreendido e aceito em nossa cultura que visa sempre o controle. Abrir mão do voluntário é abrir, de certa forma, mão do controle. Sendo mais preciso seria simplesmente passar o controle da consciência para outra parte do corpo humano. Porém, você pode indagar: porque eu faria isso?

    Trago a resposta da biologia. A consciência é mais uma das funções da biologia. Ela, por si só, não dá conta de tudo. Pense no sono, por exemplo, pessoas que tem problemas com sono, em geral tem problemas com entrega e com se soltar. Porque? Porque dormir é abrir mão da consciência e permitir que o corpo assuma o controle. Nosso sistema nervoso é composto por partes que envolvem a consciência e partes que não envolvem. Assim, aprender a se soltar é aprender a usar o seu sistema nervoso como um todo.

    Aí, talvez, entre, além do medo, o orgulho ferido que o ser humano tem. “Como assim não controlo toda a minha vida?”, não, não controla. Não, suas decisões não são completamente influenciadas pelo seu maravilhoso sistema de raciocínio, existem nas suas ações e pensamentos vários elementos que influenciam diretamente e que você sequer sabe que existem. E isso não é ruim. Pelo contrário, isso significa que sua biologia está funcionando perfeitamente.

    Assim gostaria de propor ao leitor que compreenda e tente permitir-se deixar-se nas mãos de si mesmo às vezes. Entregar-se a invés de controlar é a solução da vida de muitas pessoas. Isso nada tem a ver com irresponsabilidade e nem mesmo com fuga, é, na verdade, um trabalho árduo de auto conhecimento que desemboca na percepção de quando devemos nos entregar à nossa inconsciência e quando não devemos fazer isso.

    Em relação ao post citado acima, do qual este é complemento, gostaria de salientar que muitas pessoas não conseguem se entregar e, por este motivo, não conseguem atingir aquela “centelha de vida”. Outras foram e sentem-se, ainda, impedidas de fazer isso. Porém a resposta não está na vontade, mas sim na entrega.

     

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