• 12 de maio de 2017

    Sacrifícios

    – Eu deixei eles fazerem.

    – O que te motivou à isso?

    – Eu não queria arranjar encrenca sabe?

    – Sim.

    – Mas depois eles foram muito além, começaram a fazer arruaça e mexer em coisas que não deviam.

    – Deviam sim.

    – Como assim?

    – Ora, você permitiu, disse “deixo vocês fazerem isso”.

    – Mas não tudo né?

    – Isso não foi colocado como cláusula. A cláusula foi: permito à eles fazerem isso para eu não arranjar encrenca. Você conseguiu isso?

    – Não.

    – Então não foi uma boa troca.

     

    Sacrifício é um tema comum em nossa cultura. Abrir mão da própria vida ou felicidade em prol de uma recompensa para si ou para o outro é uma ideia enraizada na nossa maneira de pensar. Porém este raciocínio pode trazer mais danos do que benefícios.

    Muitos de meus clientes traziam nesta ideia a principal de suas queixas. Pais, filhos, amantes que abrem mão de suas felicidades pessoais afim de conquistar algo sempre trazem dor em seus relatos. A dor pode se tornar amargura e, por fim, depressão. A vida não vivida, ou seja, aquela da qual a pessoa abre mão, reclama o seu lugar ao passar dos anos. Se o sacrifício não foi feito da maneira correta, isso apenas trará problemas.

    Este ato contém muito de amor. Porém, como já disse em outras postagens, o amor, por si só, não basta. Não é verdadeiro que o amor constrói tudo. Acreditar nisso é ser ingênuo. No caso do sacrifício, abrir mão de alguma coisa para que outra ocorre é, na verdade, um raciocínio do tipo causa-consequência. Nesse sentido é importante verificar se aquilo que se deseja como consequência realmente pode ser ligado à causa, no caso o sacrifício.

    Em meu trabalho pouquíssimas vezes vi este raciocínio sendo alicerçado da forma correta. Em geral escuto coisas como: “não quero brigar com ninguém (causa) para não perder a minha paz (consequência)”, “eu não compro as coisas que eu quero (causa) para que eles aprendam o valor do dinheiro (consequência)” ou “não me importo em cuidar de mim (causa), mas queria que todos cuidassem de si (consequência). Basta olhar para estas relações para perceber que a causa não traz a consequência.

    Todos os sacrifícios descritos acima são meras fantasias infantis. Criadas nas melhores intenções, porém sem pé na realidade. Esse é o problema com a maior parte dos sacrifícios: eles são baseados em fantasias inadequadas, geralmente, infantis. O ato do sacrifício leva à morte. A morte de algo que trará benção sobre aqueles que performaram o sacrifício. Assim sendo todo sacrifício é feito em prol de si e não do outro. Essa realidade é sempre negada por quem faz os sacrifícios, por mais que a pessoa deixe isso explícito.

    Sacrifícios também são formas de lealdade para com alguém que amamos. É possível desejar abir mão de uma parte de nossa felicidade para trazer felicidade à outra pessoa ou buscar interferir em algum destino nefasto. Porém, novamente, o sacrifício apenas deseja evitar o inevitável. É a mesma barganha entre perder algo importante de um lado para ganhar algo de outro. Essa barganha não funciona porque ela está baseada em fantasias.

    Assim sendo, ao invés de tentar, por meio destes sacrifícios, atingir algo é mais interessante lembrar da frase de Santo Agostinho: “reze como se tudo dependesse de Deus. Trabalhe como se tudo dependesse de você”. Assim sendo, é importante ter as atitudes corretas frente ao que queremos. Tomando os exemplos acima: se quer paz, aprenda a se defender, se quer filhos economicamente responsáveis, ensine-os à trabalhar, se quer que os outros se cuidem, de o exemplo. E acima de tudo: aprenda a deixar cada um com seu destino particular. Em geral queremos alterar o destino das pessoas ao invés de tomar conta do nosso. Essa invasão além de ser arrogante também nos faz ver o outro como incapaz e isso nunca ajudou ninguém.

    Abraço

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