• 16 de outubro de 2017

    A realidade, limites e forças

    – Mas eu não quero que seja assim.

    – Eu sei, mas é.

    – Porque?

    – Como assim “porque”?

    – Não poderia ser de outro jeito.

    – Não.

    – Como você sabe?

    – Não foi, foi?

    – Não, mas…

    – Sem “mas”. Aceite o que foi, tal como foi.

    – Não quero.

    – Entendo, mas de um jeito ou de outro, o que aconteceu vai ficar do jeito que aconteceu.

     

    Porque é importante falar sobre a realidade? É dela que tiramos nossas forças. Embora você possa questionar “o que é a realidade”, o fato é que quando ela se mostra, fica rapidamente evidente a sua força. Quando recebemos o “não” em uma proposta (seja do que for) ela bate na nossa cara. O mesmo vale para quando a proposta é aceita. A realidade acontece do jeito que acontece e saber ver isso é sabedoria.

    A tendência da sociedade, desde o advento do humanismo, tem sido lutar contra a sua realidade. Idealizamos o mundo como ele deve ser e passamos a buscar à todo custo fazer do real aquilo que queremos que ele seja. confundimos o poder de realizar ações no mundo, com o poder de mudar o mundo. A frase fria, porém sábia do Dr. Manhattan no filme “Watchmen”: “apenas o que pode acontecer acontece” faz jus ao verdadeiro poder. Apenas aquilo que pode ocorrer ocorre, é um fato. Isso significa ter, pela realidade, respeito. Deste respeito, nasce a admiração e a percepção e, disso, as conquistas, o uso da força para fazer algo no mundo.

    O contrário disso é a discussão contra o mundo. Porque o frio é frio? Porque o quente não pode ser frio? Quando nos arrogamos contra o mundo tal como é, deixamos de aprender com ele. O ponto é que na realidade temos força, quando as ideias nascem “daquilo que é”, tornam-se ideias fortes. Estas, de certa maneira, se auto sustentam, porque encontram harmonia em nosso modo de viver. Já as ideias arrogantes são aquelas que se mantém enquanto tem pessoas pensando nelas daquela maneira. Assim que este movimento se enfraquece (porque surgiu outro) elas perdem força e morrem.

    O problema em pensar na realidade é que ela traz limites. Não gostamos mais de saber de limites. Queremos crer que tudo aquilo que desejamos é possível, exatamente do jeito que pensamos. Em meu consultório tenho que trabalhar todas as semanas com problemas relacionados à expectativas exageradas ou irrealistas. Este problema cada vez mais comum existe justamente em detrimento desta fuga da realidade. O desejo em criar uma realidade perfeita onde tudo é como desejamos tornou-se um discurso muito forte, embora sua realidade nos torne muito fracos.

    A fraqueza do discurso irrealista surge justamente por causa desta falta de contato com a realidade. O real é limitante, porém fortalecedor. O paradoxo é que ela fortalece justamente por impôr limites. Seu oposto, o pensamento irrealista enfraquece justamente por não oferecer limites. Apenas aquilo que existe pode existir, assim sendo algo sem limites, que tudo pode, não se concretiza e perde força de existência. É uma ideia bela, porém, nunca será nada além disso.

    O retorno ao real e aos limites está começando lentamente. Muitas pessoas já perceberam que o desejo de ir cada vez mais além não é necessário para a vida. Não importa se fazemos muito ou pouco, o que importa é se o que é feito está ligado à algo realmente importante e necessário. Estas duas características são a marca da realidade. Tudo o que está ligado ao real é importante e necessário ao seu modo, assim sendo, oferece força quando é executado. Seu oposto não oferece a mesma força, pelo contrário, mantém a pessoa afastada em um universo de fantasias onde sempre se espera mais de alguém. Esta expectativa, porém mata nossa força de realização, que é de onde vem a força real, nos fazendo sentir sempre exauridos.

     

     

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