– Mas porque eu não consigo escolher?
– Porque você não quer.
– Não quero?
– Não, o que você quer é ter acesso a todas as escolhas.
– Sim, é verdade não seria ótimo isso?
– Não.
– Não?
– Não. Quero ver você dar conta de todas as escolhas ao mesmo tempo.
– É… verdade. Mas então eu não quero escolher porque eu quero tudo, é isso?
– Sim.
– E o que eu faço com isso?
– Como você lida com perdas?
– Não gosto delas.
– Para escolher é necessário saber perder.
Queremos ser livres. Queremos fazer aquilo que queremos tal como queremos. A verdadeira liberdade não reside na possibilidade de fazer tudo, mas sim, na capacidade de escolher dentro daquilo que é possível. A liberdade tem limites bem definidos, embora isso soe paradoxal. E a expressão máxima da liberdade, que é viver a vida, tem como seu limite mais definido a morte.
Em outros posts já falei que a noção de liberdade como a possibilidade de fazer tudo e não sofrer nenhuma consequência é uma concepção enganosa, pois não leva o real como base da liberdade. Esse desejo é, na verdade, o desejo de onipotência disfarçado de liberdade. Assim sendo, não serve à nós, meros mortais. A liberdade reside na capacidade de escolher e não em ter todos os nossos desejos atendidos. Toda escolha, como o nome já diz, implica em limites e em renúncia. Apenas o que pode ser escolhido nos é possível.
Assim sendo, temos na realidade os limites definidos para a nossa liberdade. Faz parte de nossa realidade sermos mortais. A liberdade, então, passa pela morte enquanto um limite. Porém, nem sempre é fácil encarar a morte, quem dirá percebê-la como limite das nossas escolhas. Perceber a morte pode ser incômodo. Para a maior parte das pessoas, este incômodo se dá porque ela representa a “falta eterna”. Ao olhar para a morte, as pessoas, em geral, pensam naquilo que ainda não fizeram em vida. Aquilo que foi deixado para trás, incomoda, porque foi potencial de vida não usado. O que incomoda, na verdade, não é a morte e sim o estilo de vida.
Porém olhar para a mortalidade enquanto o estabelecimento concreto da vida, faz com que o viver se torne mais real. Surfar na ilusão de que somos eternos, tira a força da vida. Mesmo uma crença reencarnacionista diz que cada vida é única. Assim sendo, a morte continua valendo como limite. Entender que a vida termina nos faz prestar atenção à ela. Muitas vezes digo aos meus clientes: “seu problema é que não está sentido medo o suficiente”. A frase, em contextos específicos, desperta a pessoa para essa face da morte que nos desperta para a vida.
Então se a percepção da mortalidade é tida de forma plena, a vida também é aceita de forma plena. Esta aceitação faz com que os limites de estar vivo sejam inclusos em nossa maneira de pensar, ver e viver a vida. Ao fazer isso, abrem-se as opções da realidade e, apenas nela é que podemos ser livres. Encarar a morte, nos faz livres de toda a ilusão de sermos eternos. A pessoa iludida entenderá esta percepção como uma “redução” de opções, porém a verdade é que não temos as opções que não são possíveis. Em outras palavras: aquilo que não pode ocorrer não é uma opção, apenas uma ilusão.
Despertar desta ilusão coloca na mesa a realidade. Ela pode não ser tão “interessante”, quanto algumas ilusões, porém, ao ser real, nos dá força. A falta desta força é que muitas pessoas reclamam hoje em dia. Em um universo social que prega que “tudo é possível”, as pessoas tem se sentido mais enfraquecidas. Porque? Ora, acreditar em ilusões nos enfraquece, nos faz aceitar como possíveis escolhas impossíveis e isso apenas nos leva ao cansaço e frustração contínuos. Um belo motivo para perder as forças. No entanto, aqueles poucos que aceitam que “apenas o que é possível ocorre”, olham para a vida de forma mais calma e parcimoniosa. Com isso conseguem perceber o que realmente é essencial e trilhar seus caminhos com base nesta sabedoria. Encarar a morte, não nos faz apenas livres, nos faz sábios.
Abraço