– E eu nunca consegui perdoar ela.
– Foi muito difícil isso para você não?
– Sim, eu sempre via ela por baixo, a minha mãe fazendo o que queria com ela e ela nunca reagia.
– E você?
– A mãe nunca me fez nada! Nunca deixei!
– Como você se sentia quando ela fazia isso?
– Com raiva.
– Raiva do que oras? Era ela quem sofria, não? Porque sentir raiva?
– Não sei… eu não queria ver ela daquele jeito…
– E por isso a raiva? Talvez você se percebia incapaz de mudar ela ou a sua mãe?
– Eu senti isso sim… faz tempo que não sinto…
A culpa é um sentimento que possui muitas raízes. Desde um sentimento de vergonha mal organizado até um sentimento de responsabilidade exacerbado, ela pode penetrar em nossas vidas das formas mais variadas, mostrando o quão complexo é ser humano.
Quando se pensa em culpa, geralmente os motes de livros de auto ajuda pipocam em nossa mente nos proibindo de sentir esta emoção. Embora eu concorde que a culpa tóxica tenha efeitos deletérios em qualquer um, também é um fato de que ela, assim como a vergonha são sentimentos que organizam a vida humana e nos mostram o quão amplo o comportamento humano pode ser. Um exemplo que eu trouxe acima, ilustra uma relação entre irmãos, no qual um era “dominador” e o outro submisso à mãe.
Neste caso, a raiva do primeiro – meu cliente – era apenas uma forma de proteção contra a profunda tristeza e impotência que sentia em relação à situação do irmão que não conseguia desvincilhar-se da mãe. Embora o relato fosse de infância, a mesma situação permanecia na vida adulta. Esta tristeza e impotência se tornaram um sentimento de culpa em relação à não ter conseguido mudar a vida do irmão. Obviamente, meu cliente se protegia muito desta emoção e, mais tarde pode entender que, de fato, aquilo não era culpa dele.
Podemos ver, neste exemplo, que o amor fraterno, o sentimento de impotência e tristeza puderam se condensar em uma experiência de culpa. Outra situação é quando temos uma pessoa super responsável, ou seja, alguém cujos limites entre o que é seu e o que não é estão fracos. Neste caso, ela assume como pessoal comportamentos, eventos e, principalmente, consequências de eventos ínfimos e os toma como pessoais. Sente assim, culpa por relacionar elementos que podem não ter nada a ver entre si com consequências nefastas.
É o caso de quando a pessoa, por exemplo, é hipersensível em relação ao contexto e as reações das pessoas neste contexto. Neste caso, ela pode facilmente identificar um mau humor – oriundo de uma noite mal dormida, por exemplo – e associar com alguma possível falha que ela tenha tido em algum momento. O fato, aqui é que ninguém pode estar mau humorado, pois senão a pessoa assume isso como algo pessoal e, portanto, culpa-se como forma de tentar melhorar alguma coisa.
A culpa, de certa forma, nos confere certo status especial e poder. Se sou culpado, sou eu quem fez algo, portanto, eu também posso desfazer. Em quase todas as situações de “culpa indevida” percebemos que a pessoa acaba desejando mudar algo no mundo que não foi ela quem provocou. Abrir mão deste suposto poder é enfrentar a impotência diante de determinadas circunstâncias e, para não fazer isso, muitas pessoas preferem carregar a culpa.
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