• 17 de abril de 2019

    Calma aí!

    – Estou pensando em terminar a terapia.

    – O que te faz querer isso?

    – Eu não consigo aproveitar direito as sessões, fica tudo muito confuso e é sempre muita informação.

    – E você não consegue processar tudo isso?

    – Sim.

    – Sente-se culpado por isso?

    – Mais ou menos… não é culpa minha… mas fica isso na minha cabeça… sabe, eu deveria dar conta disso.

    – Sei, mas o fato de não conseguir faz você sentir-se como?

    – Não sei direito.

    – Fraco, seria uma sensação adequada?

    – Sim, embora você saiba que não gosto de me sentir assim.

    – Claro. Por isso quer deixar a terapia, mas pense: de que maneira isso te ajuda a lidar com essas coisas?

    – Não ajuda na verdade.

    – Exato, então que tal se usarmos sua sessão de forma diferente? Dando mais tempo para você e tratando de menos assuntos?

    – Mas eu tenho que falar das coisas não tenho? Não quero ficar aqui, fingindo que estou fazendo terapia.

    – Claro, nem eu. Porém, será que falar do que você não consegue resolver não é “tratar dos seus assuntos”?

    – É…

     

    Muitas pessoas são super responsáveis. Quando vão para a terapia, tendem a querer dar conta de tudo o que é visto em sessão. Em geral, esta tentativa acaba em frustração e elas sentem-se pior ainda com isso. Tendem a querer parar a terapia ou simplesmente saem sem dizer nada. Mas esse comportamento pode ser substituído por algo mais saudável.

    É um paradoxo que para “nos conhecer”, precisamos, antes “não nos conhecer”. Aceitar que não sabemos tudo sobre nós é uma percepção saudável, porque nos deixa abertos à novas percepções. Porém quando se é super responsável, isso pode ser sentido como uma falha: “se eu não sei isso sobre mim, falhei”. Esta percepção pode prejudicar não apenas a terapia, mas qualquer processo de aprendizado ou mudança que a pessoa se proponha, visto que para aprender e mudar, precisamos começar do ponto do não conhecimento.

    Neste sentido, a ideia “se eu não sei isso, falhei”, pode ter raízes mais profundas em crenças nucleares como: “sou fraca”, “sou ruim”, “sou vulnerável”, “tudo é minha culpa”. Cada uma delas, possui efeitos distintos em cada pessoa, mas quando olhamos para a super responsabilidade, o sentimento de fracasso é o que se busca evitar a todo custo. O desejo de evitar este tipo de situação, também se estende a sentimentos como medo, tristeza e frustração. Evitar é a palavra de ordem.

    Como a busca é de evitação, a pessoa vive em constante vigilância, precisa verificar o tempo todo o que está ocorrendo e se está conseguindo dar conta de tudo o que acontece. Ela também precisa estar certa de que seus temores estão à distância. Tende a ser bem ansiosa e reativa, pois, qualquer coisa que se aproxime é ameaçadora. Outra tendência é não prestar muita atenção ao que sente, pois está sempre tão preocupada com as “coisas práticas” que o olhar para si acaba sendo muito curto.

    Assim sendo, em terapia, é importante notar este tipo de comportamento e colocar ao cliente que ele não precisa saber tudo e que isso não é “fraqueza”, mas sim, apenas falta de prática (o que é um fato). Ajudar a pessoa super responsável a prestar atenção ao que sente é importante, assim como deixá-la ter mais espaço para compreender o que precisa. Este espaço é algo que ela própria não se dá, por tentar resolver muitas coisas ao mesmo tempo.

    Além disso, como tendem a ter sucesso, ninguém consegue olhar para essa pessoa e pensar que ela vive este conflito interno, em geral, são vistas como pessoas seguras de si e fortes. Ninguém precisa se preocupar com ela, nem ela mesma. Porém o fato é o contrário, existe medo em olhar para si, por existirem crenças negativas dela sobre ela própria. A super responsabilidade surge como uma defesa contra esses sentimentos e pensamentos.

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