– Eu tenho pensado em me matar.
– Obrigado por compartilhar isso comigo. As coisas estão difíceis para você?
– Sim… não… não sei direito… é que às vezes parece que estou melhorando, mas daqui a pouco volta tudo sabe?
– Entendo. Quando isso acontece você se julga?
– Sim… acho que eu sou uma pessoa desprezível.
– Nossa, deve ser bem duro para você mesmo. Você acredita que eu penso isso sobre você também?
– Não, você deve apenas achar que sou um cliente chato.
– Obrigado por me dizer isso também. Bem, é importante eu dizer que não acho isso de você. Na verdade, tenho visto mais avanços do que “retrocessos” no seu caso.
– Eu também vejo isso… mas daí…
– Quando tem um “retrocesso” você se diz algo como: “vou, não está adiantando nada”?
– Algo assim.
– Veja, “retrocessos” são esperado em terapia justamente porque você está aprendendo algo novo sobre você. Quem não pode ter um “retrocesso” não pode aprender entende?
– Sim… faz sentido para mim.
– Agora, quem está aprendendo algo não pode ser considerada uma “pessoa desprezível”, isso faz sentido para você?
– Sim, muito.
O desejo de morrer, ao contrário do que se pensa, é muito comum. Pesquisadores mostram que 80% da população já imaginou, em algum momento, sua própria morte ou uma forma pela qual poderia dar cabo de sua vida. Sentir-se culpado por pensar nisso, é uma atitude que pode piorar a situação ao invés de ajudar.
E, talvez, o primeiro ponto que eu preciso abordar é: se você se culpa por imaginar a sua própria morte, ok, aceite isso. Porque é muito comum a pessoa entrar em uma espiral de culpas: “eu não deveria me sentir culpada de pensar nisso”. A culpa, inclusive é uma das emoções que muito contribui para que a pessoa tenha o desejo pela morte em primeiro lugar. Muitas vezes este desejo é o produto de anos de pensamentos do tipo “tudo ou nada” (ou eu venço ou sou um fracasso completo), expectativas irrealistas, negação da realidade e de qualidades pessoais.
Se de um lado, pensar em nossa própria morte pode até mesmo revelar um aspecto de saúde mental; ou seja, poder pensar sobre nossa finitude (ter a coragem para isso), de outro, o pensamento pode servir como punição por ser uma pessoa “tão ruim”. Neste caso, é necessário verificar o que nos causa esta impressão. O exemplo acima revela uma pessoa com pensamentos “tudo ou nada” muito fortes. Ela aplica isso à toda a sua vida e cada pequeno “retrocesso”, na verdade, parte de um processo de aprendizagem, reflete como ela é desprezível.
O ponto é que existem crenças mais profundas que habitualmente não vemos. Crenças como “eu sou um nada”, “sou desprezível” e até mesmo “não mereço amor” são fortes e difíceis de serem mudadas rapidamente. Precisam de tempo e dedicação. Quando essas ideias assumem um lugar na pessoa, o desejo pela morte pode se tornar comum. A dor em se perceber uma pessoa desprezível, indigna de amor ou “um nada” é muito intensa para seu suportada.
Nestes casos a pessoa pode desejar a morte, pois esta acaba com o “problema”, ou seja: o eu. É importante refletir que talvez o eu não seja o problema, mas sim, que as conclusões que estão sendo tiradas sobre o eu sejam, por exemplo, duras demais ou rígidas demais. A cliente acima, por exemplo, julgava-se cada vez que dava um passo para trás, mas não avaliava que dava muito mais passos à frente do que para trás. Neste sentido o julgamento dela era completamente injusto.
O desejo de morrer está sempre ligado, de alguma forma, à ideia de que a vida ou o eu é um problema. Em ambos os casos, avaliações negativas, rígidas e do tipo “tudo ou nada” estão presentes. Isso não é “culpa” da pessoa, é a forma pela qual ela aprendeu a pensar. Em geral, vemos que essas formas, em algum momento da vida, fizeram sentido e foram importantes, são mecanismos de defesa. Porém, com o tempo eles se mostram ineficazes para lidar com o mundo “mais amplo” (além da família). Por isso precisamos sempre rever nossas crenças e pensamentos.