• 10 de maio de 2019

    Humildade intelectual

    – Mas e como que eu vou fazer isso?

    – Ora, você já viu que seu jeito de agir anterior não está te ajudando não é?

    – Sim.

    – Então qual o problema em assumir uma forma nova?

    – Eu não sei, parece que não vou ser eu se fizer isso.

    – Entendo, então o que é mais importante: o seu “eu” o que o seu “eu” pensou em um momento?

    – Não é a mesma coisa?

    – Não sei, o seu “eu” está pensado outra coisa agora não?

    – Sim.

    – E qual das duas parece mais interessante de seguir?

    – Esta segunda.

    – Então me diga: porque mudar a forma de pensar seria uma afronta contra o seu “eu” se foi você quem pensou os dois conteúdos?

    – Não sei…

     

    A capacidade de sustentar um estado de dúvida, incerteza e desconhecimento é uma forma avançada de maturidade. Porém, cada vez mais precisamos estar certos de tudo, mesmo que, no fundo, tenhamos muitas dúvidas. Humildade intelectual é um dos nomes dados para a competência de se permitir não saber.

    Nassim Taleb chama a pessoa com humildade intelectual de “epistemocrata”, ou seja, a pessoa com a coragem suficiente em dizer: “eu não sei”. Porque não temos esta coragem? Porque isso desafia profundamente o nosso próprio senso de identidade. Cada vez mais damos valor às percepções que temos do mundo e das pessoas. Cada vez mais o conjunto de ideias que você escolhe apoiar se torna valorizado ao ponto do “eu” ser confundido com este conjunto de ideias e perspectivas. Ao ponto de acharmos que aquilo que pensamos é o real.

    Crenças são, na melhor das hipóteses, ideias generalizadas sobre o mundo. É impossível “provar” uma crença, porque ela sempre mostra apenas uma parte da realidade e nunca a realidade como um todo, crenças são incapazes disso. Ao mesmo tempo, elas atendem a esta função em nós. Ao imaginar que a crença é algo que vale para o mundo todo, nos sentimos seguros em desenvolver uma identidade que foca em um ou outro aspecto da crença. Se divido o mundo em bons e maus, escolho o lado dos bons. Pessoas boas agem de uma forma X e as ruins de uma forma Y.

    A crença organiza nosso mundo, mas se não compreendemos que a crença é apenas isso: uma ideia sobre o mundo, podemos nos cegar com ela. Assim sendo, a pessoa que é capaz de ter humildade intelectual é aquela que reconhece que suas ideias sobre o mundo são apenas isso. A humildade intelectual é uma forma avançada de maturidade por que a pessoa com esta característica precisa definir sua identidade em meio à noção da necessidade de crenças de um lado e a sabedoria de que elas não são plenamente confiáveis de outro. Ela tem a flexibilidade de compreender que erra e ainda assim manter uma identidade forte.

    Dependendo do ponto de vista adotado isso pode parecer quase impossível, porém quando não damos tanto valor ao conteúdo das ideias, mas sim ao processo formativo das mesmas isso muda de figura. Além disso a percepção da distinção entre o conteúdo do meu pensamento e o eu também se faz fundamental neste entendimento. Assim sendo a humildade intelectual é considerada uma força de caráter, porque para desenvolver isso a pessoa precisa estar confortável em se perceber errada ou limitada. Esta percepção não lhe causa o abalo, mas sim, a curiosidade, por exemplo. Como se atinge isso?

    Se sou diferente daquilo que penso, minhas ideias podem estar erradas, por são apenas isso: minhas ideias. É como se fosse a roupa que visto, eu a visto e ela me expressa, mas não me confundo com minhas roupas. Se não sou o conteúdo do que penso, mas sim o processo que o forma, então ver que algo que foi formado é errado não me abala, porque posso formar outros pensamentos. Como aceito que posso errar, não me abalo com isso, porque me sei falível. Parece fácil? Não é, mas estas frases são o início dessa jornada.

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