– Mas eu não queria.
– Exato. E não fez.
– Sim.
– E o que conseguiu com isso?
– Não importa.
– Claro que importa. O fato de você, obviamente, não ter conseguido o que quis não faz com que suas ações não tenham consequências.
– Mas e daí, tá, não consegui o que eu queria. E daí?
– Não é comigo, é com você. O que você vai fazer com isso?
– Não sei, e se eu não quiser fazer nada?
– Já disse, não é a minha vida. Não sou eu quem perdeu uma pessoa querida.
– E se eu não quiser fazer nada?
– Já disse: não é a minha vida. É a sua. Você não quer fazer nada com isso?
– E se for?
– Veja bem: não adianta me confrontar. É a sua vida, se você não quiser fazer nada, não fará, simples assim. O que eu preciso saber é o que você fará.
– Eu não sei direito…
– Este é um bom começo.
O orgulho é uma das emoções mais mal compreendidas no Ocidente. Em sua essência, o orgulho é benéfico. Trata-se da percepção de valor pessoal referente às conquistas que a pessoa realmente teve ou as competências que ela realmente tem. Seu lado sombrio, a húbris, é outra história e trata, sempre, de um ego mal formado, imaturo.
A húbris, como os gregos já diziam, carrega consigo a nêmesis. Isso significa que aquele que se arroga sempre encontrará nisso a sua própria destruição. A húbris foi o que levou Ícaro, filho de Dédalo a subir com suas asas até o sol. Ele realmente achou que poderia voar por onde quisesse e teve suas asas queimadas pelo calor do Astro Rei. Com isso precipitou-se no mar e ali morreu. Quando a pessoa se identifica com o orgulho sobre algo que fez, o orgulho se torna húbris ou soberba. Esta é uma maneira de desafiar os deuses. Então o que é importante (a competência) é deixado de lado em prol da sensação (o orgulho).
Outra maneira é ser incompetente. Pode parecer estranho o fato da incompetência gerar pessoas soberbas, porém esta ligação é estreita e tem se tornado comum em nossa sociedade. Ocorre que aquelas pessoas que não possuem competências e nem o desejo para elas, mas mantém o desejo infantil de ter um lugar de destaque ou acesso à algo que requer esforço precisam lidar, de alguma forma, com a realidade. É simples pensar que se desejo algo, preciso saber como atingir este fim. Porém o soberbo crê que aquilo que ele deseja lhe é de direito sem a necessidade de esforço.
A dinâmica é o desejo aliado à percepção (mesmo que inconsciente) de incompetência e impotência. De alguma maneira a pessoa não crê que pode (ou quer) sair de sua situação de incompetência, mas mantém-se desejando aquilo que quer. Com isso estabelece-se uma condição psicológica que não sustenta o próprio desejo, mas ao mesmo tempo, não cede lugar ao aprendizado. Isso porque ceder significa perceber-se menor e incompleto. Quando a pessoa faz isso, ela abre mão de sua húbris. Porém para quem a cria é muito difícil este ato de abrir mão.
A auto imagem distorcida da húbris é, na verdade, uma defesa contra as sensações dolorosas de incompletude. Na verdade pessoas soberbas são pessoas muito medrosas e incompletas. Daí a dificuldade de abrirem mão de sua húbris: adentrar na dor existencial. O desejo de não entrar em contato com esta dor as impede de crescer. Ela não percebem seus limites e, com isso, mantém uma imagem irrealista que causa uma pseudo sensação de confiança e poder.
Abrir mão deste poder ilusório e desta auto imagem irrealista é, de um lado, colocar-se em contato com a dor de ser menor, porém, ao mesmo tempo é colocar-se em contato com as possibilidades de potenciais reais. Desenvolver uma competência de fato é diferente de imaginar-se detentor desta competência. Sair da húbris e mergulhar na humildade é o primeiro passo para poder criar algo real e sentir, então, verdadeiro orgulho. Tomada a percepção de não se identificar com o orgulho, mas sim, de usufruir dele apenas quando a situação for apropriada ajuda a pessoa a crescer com humildade.
Abraço