• 9 de março de 2020

    Confortar e confrontar: a arte do papel do ajudador

    – E daí, você não acredita no que ela me disse.

    – O que ela falou?

    – Akim, ela me disse que eu mereci perder ela!

    – E o que você acha disso?

    – Poxa vida, como que ela fala assim comigo? Nem sabe do que aconteceu!

    – Talvez não, mas suspeita. E você sabe: ela tem razão!

    – Você também?

    – Ela tem razão não tem? Ou você quer fingir que sua namorada te largou porque você é santo?

    Muitas pessoas confundem “ajudar” alguém com ser conivente com defeitos e problemas que a pessoa mantém por falta de uma atitude madura. O papel de ajudador consiste na difícil tarefa de não ser muito duro à ponto de deprimir a pessoa com a necessidade de colocá-la em pressão suficiente para que a mudança possa ocorrer.

    Para isso ocorrer, no entanto, é importante olhar para tudo o que a pessoa faz bem e para aquilo que ela não faz. ter clareza de suas dificuldades e potencialidades. A visão do ajudador não julga nem os defeitos e nem as potencialidades. Isso porque algumas vezes é necessário exaltar algo negativo e em outras invalidar algo positivos. Isso pode parecer paradoxal, afinal de contas, porque invalidaríamos algo positivo? Ocorre que as potencialidades assim como os defeitos são neutros “per se”, mas em relação à um contexto e um objetivo é que eles precisam ser avaliados.

    A inteligência, por exemplo, quando bem aplicada é uma virtude, porém quando a pessoa usa o raciocínio lógico em excesso pode estar desejando mascarar uma emoção ou buscando controlar algo de que tem medo. Em outras situações, a explosão geralmente tida como negativa, pode ser justamente o que a pessoa precisa para aprender a dar limites. Nenhuma característica é, por si só, boa ou ruim. Então o ajudador não julga, aponta para o que a pessoa faz e para aquilo que ocorreu. Sem julgar é possível descrever.

    Desta forma, os ajudadores terminam por assumir um papel dúbio. É muito comum que os clientes de um psicoterapeuta, de vez em quando, tenham certo receio em contar-lhe algumas coisas porque eles “tem o poder de distorcer” o bom em ruim e vice-versa. Não se trata de distorcer, mas sim, de ver sem julgar. Assim sendo a visão se aprofunda. Em muitas situações é necessário ser um “ombro amigo” e mostrar conforto, em outras vezes é importante ser um espinho e cutucar a pessoa.

    Isso promove o crescimento. Ao trazer o desconforto à tona e ajudar a pessoa a se manter fiel à ele, cria-se pressão e sem ela não há mudanças. Ao mesmo tempo, é necessário trazer aquilo que a pessoa tem de potencial a tona, isso é o que a ajuda a trabalhar com a pressão. “Potencial” não é, necessariamente, aquilo que a pessoa considera bom. Algumas vezes o potencial está na sombra da pessoa, escondido de sua percepção ou até mesmo negado. É importantíssimos saber como trazer isso à tona junto com o cliente para que a potência seja transformada em trabalho.

    É com isso que os ajudadores se defrontam. Este movimento por vezes os fazem amados e em outras odiados. É muito comum as pessoas sentirem as duas emoções ao mesmo tempo por seus terapeutas, principalmente depois de uma sessão “boa”. Ao ajudador é fundamental saber suportar estes vários estados emocionais em relação ao seu trabalho e não julgar. Aquilo que aparece é importante, não importa o que seja.

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