– Ah… isso eu não consigo fazer?
– Ok, não é necessário que faça. O que é difícil nisso para você?
– Dizer que não tem nada de errado comigo soa falso. Sabe… se não tem, porque eu não tenho feito tudo o que eu posso?
– Hum, esta é uma boa pergunta. Você sabe a resposta?
– Sim, de certa forma sei, é com o que estamos trabalhando.
– Pois é. Agora tente olhar para isso em você. Não há nada de errado na existência disso. De outra forma: você não é o primeiro e nem o único a sentir isso.
– Hum… é verdade… tem muitas pessoas que passam por isso não?
– Sim, você diria à alguém: você não merece amor por causa disso?
– Não, acharia cruel.
– Sim, então porque faz isso com você?
Talvez um dos pontos mais importantes e difíceis de compreender em análises profundas é: “não há nada de errado com a gente”. As objeções são óbvias e em grande volume: sou preguiçoso, sou deprimido, sou um psicótico, como você pode me dizer que não há nada de errado comigo?.
Dizer que existe algo de errado com alguém implica em saber como seria o certo. Porém, ao se estudar a “natureza” humana, logo vemos que categorizar o que é certo é uma tarefa muito difícil. Podemos, obviamente ver aquilo que ocorre mais ou menos em termos de comportamento e, com isso, dizer: a maior parte das pessoas age, pensa e sente-se “assim”. Porém, seria isso “o” certo ao qual todos devem se dirigir e, aqueles que saem desta norma, deveriam se compreender como “errados”?
Outra conotação que se utiliza tem a ver com o sofrimento. Então se alguém sofre “demais” a partir de sua forma de ser, podemos compreendê-la como “errada”. Pode-se questionar isso rapidamente mostrando que sua forma de ser a faz sofrer por sua sociedade / família não dar conta desse jeito de ser. Mas se não for isso, e a pessoa realmente sofre demais sendo quem é, temos que questionar se o sofrimento mostra que ela é “errada”. Ora, ela sofre, isso é um fato, mas o ato de sofrer lhe faz “errada”?
É um fato interessante e controverso, mas o amor próprio só pode ocorrer diante de uma pessoa que existe. Em outras palavras: ou você se abre para se amar tal como é agora, neste momento, ou isso se fecha para você. Não se trata, aqui, em ser cínico ou falso consigo, mas de amar-se. O que nos engana é crer que só podemos nos amar a partir determinadas conquistas. E que se não atingimos determinados estados, então: “algo está errado comigo”. A dor é algo para ser aceito, a frustração de “não ser como todo mundo” também. Não se trata de iludir-se: realmente dói, mas isso não é um fator para que algo seja errado em você.
A afirmativa “não há nada de errado com você”, é uma atitude ousada e criativa que procura olhar e amar aquilo que existe. Amar a realidade, a “terra úmida”. Amar o “cru”, aquilo que se mostra tal como é. Significa amar-se com sofrimentos, com defeitos. Buscar o aprimoramento? Sim, porque não? Porém, deixar ao “ser-uma-vez-aprimorado” (e apenas à ele) o sentimento de amor? Não. Não há nada de errado com você e isso significa que também não há nada de “certo”. Ou seja, você é isso que é e, mesmo que você “melhore”, continuará sendo quem é (e, sempre, incompleto).
Por isso, aquele que realmente se abre à sua experiência pode aprender a perceber-se com compaixão. Esta compaixão não visa colocar alguém acima ou abaixo, mas sim, tomar posse e realidade daquilo que é assim como é. O sofrimento e a força existem, posso me amar com ambos. Não é preciso que algo esteja errado comigo para que o sofrer exista, ele é “acessível” à todos nós. Este entendimento nos abre, nos joga além das expectativas de “melhoramento” que nossa sociedade tanto preza para nos colocar em uma experiência de ser, que não é certa ou errada, apenas “é”.
Abraço