• 7 de agosto de 2020

    A insuficiência da realidade

    – Eu não consigo ir adiante. É simples assim, tenho muito medo.

    – Medo de que?

    – De que não dê certo sabe?

    – Sei. Bem, vou lhe falar algo: não vai dar certo.

    – Porque eu não estou fazendo nada, não é? Eu sei, mas…

    – Não, não é nada disso. Não vai dar certo mesmo que você tente.

    – Ué, porque?

    – Porque você não está olhando para o que pode ser feito. Está focado sempre em expectativas cada vez mais elaboradas e mais e mais…

    – Faz sentido…

    – Seu medo não é de ir para o real, mas sim, de perder suas fantasias sobre como a vida poderia ser.

     

    Quando usamos nossa imaginação podemos criar os cenários mais fantásticos, as imagens mais belas sobre como tudo vai ser em nossa vida. A ilusão criada, pode servir como fonte de inspiração para buscarmos algo a mais, mas também pode servir para nos isolar da realidade.

    É um princípio simples de ser entendido, mas muito importante para nossa saúde mental. O real é sempre insuficiente diante de nossa imaginação. Em segundos, é possível criar muitos cenários para tudo o que quisermos. Agora mesmo, posso me imaginar esquinado nos alpes suíços e escrevendo um grande best-seller para, logo depois, ser agraciado com algum prêmio. Também posso pensar em outros cenários que não tem a ver com isso, mas que serão fantasias assim como essas.

    Essas fantasias podem sofrer, de nossa parte, uma qualificação como “realidade”. Em outras palavras, nos relacionamos com o pensamento tomando-o por verdade. Então, em nossa mente, não é só um pensamento, mas, sim, uma realidade. Os psicólogos cognitivos chamam isso de “fusão”. Uma vez que isso ocorre, é muito difícil olhar para o real, pois ele não é tão bom quanto aquilo que pensamos. As imagens que criamos são muito mais interessantes do que aquilo que vemos.

    Então as pessoas tendem a se esquivar e fugir da realidade, elas optam pela ilusão que criam em suas mentes e seguem crendo que aquilo vai se concretizar. Elas não agem, não por medo da falha, mas por saberem que ao agirem irão em direção ao real e, para isso, deixarão a ilusão de lado. Na imagem mental, o processo de concretização dos sonhos vai se dar de uma forma, mas no real, não é bem assim. Na verdade a pessoa simplesmente não sabe como será, mas entre enfrentar isso e manter a ilusão, ela opta pela segunda escolha. Assim, não se trata de medo, se trata de opção.

    Diz-se, então, “não” para o real, pois ele não é “tão bom quanto” as fantasias que a pessoa tem. A rigidez a impede de aceitar mudanças – pequenas ou grandes – naquilo que projeta em sua mente e, por este motivo ela se esquiva. O medo, novamente, é de ter que abrir mão de suas ilusões. Por este motivo é importante que a pessoa aprenda a “desfusionar”, ou seja, aceitar que o plano pode ser muito bonito, mas é apenas um pensamento dentro da mente dela.

    Se isso for possível, a pessoa se abre para a percepção de que as fantasias não são tão boas quanto parecem, pois aprisionam. A pessoa dominada pelas fantasias que tem do mundo não se lança ao real, fica presa naquilo que crê ser o “melhor” e não se aventura. O real é insuficiente diante da imaginação, pois não é possível concretizar tudo o que se imagina. Por outro lado, a imaginação tem o ônus de não ser algo concreto. Apenas uma experiência na mente. Lembro-me, ao pensar nisso, no filósofo indiano Osho: “loucura é perder-se dentro da cabeça”. Embora ninguém precise ter um surto psicótico para chegar nisso, ficar preso em nossas fantasias sobre o mundo é ficar perdido.

    Abraço

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