– Você percebeu o quanto está agressivo nessa sessão?
– Mas não é nada com você, veja bem…
– Sim eu sei. É exatamente isso que estou mostrando: tudo tem um porém. O que será que acontece de fato?
– Não sei direito… mas sei lá… tem a ver com o meu pai eu acho.
– O que sobre ele?
– Eu não consigo… não consigo ficar perto dele…
– O que te faz ficar longe?
– Não sei…
Tendemos a nos afastar daquilo que é difícil aceitarmos. Porém, este afastamento, muitas vezes implica em deixarmos de lado relações importantes e isso acaba por se tornar outro problema. Entre a dificuldade em aceitar algo e a perda de relacionamentos importantes, ao que devemos nos ater?
Muitas vezes as pessoas que mais amamos fazem escolhas difíceis para elas. Percebemos seu sofrimento, muitas vezes a incapacidade de sair dessas situações. Oferecemos ajuda, mas nossa ajuda tem limites, muitas vezes colocados pela própria pessoa que nega a ajuda ou simplesmente não faz nada para se ajudar. Nos indignamos. A dor que sentimos torna insuportável olhar para aquela pessoa sem pensar na dor dela. Terminamos por nos afastar. Este afastamento, no entanto, pode ser feito com frieza ou brigas, dificilmente será um momento tranquilo.
Olhar para a nossa incapacidade em enfrentar a dor do outro é um ponto importante para começar. Não é fácil assumir que alguém que amamos está mal. Ao mesmo tempo, não é possível nos permitir negar isso. Ao aceitar a dor do outro enfrentamos a nossa que se manifesta, muitas vezes, em nossa incapacidade de salvar o outro de sua própria dor. Se assumirmos nossa incapacidade, tomamos um papel difícil de estar com o outro em sua dor, o significado verdadeiro da palavra compaixão.
Caso se torne possível assumir a dor do outro e aquela que sentimos por ele, talvez também se torne possível dizer isso ao outro. “Sinto muito pela sua dor”, “mas não é minha culpa”. Estas duas frases são um alento para ambos os lados. Existe um fato interessante sobre quem sofre: ao ter o seu sofrimento aceito pelos outros, ela também se fortalece em sua dor. Afinal de contas é preciso força para sustentar a dor e se nossa dor é reconhecida, isso pode nos dar força. Reconhecer, neste caso, não implica em querer tomar a dor do outro para si, mas sim reconhecer como do outro.
Com estes dois movimentos, podemos entender mais profundamente a natureza de nossa separação original: o nosso profundo amor pelo outro. Assim sendo, ao ver tudo isso, a percepção de que amamos tanto ao ponto de ter desejado sacrificar nossa própria alegria pelo outro (nos afastando dele), podemos dar um passo para trás e nos colocar em nosso lugar novamente. Este movimento nos faz ter a importância que temos, sem mais ou menos e nos faz reconhecer o amor pelo outro e sua importância. Isso pode ser reconhecido de ambos os lados.
Por fim, esse movimento todo pode trazer algum alento à relação. Não se trata de salvar o outro, mas de reconhecer o desejo por isso, juntamente com a impotência em executar a tarefa. Não se trata de lutar contra o destino do outro ou contra nossos sentimentos amargos, mas de aceitar tudo isso como parte da vida. Por fim, não se trata de negar a dor para poder ver o amor, mas sim de aceitar o amor mais profundo e com limites que temos afim de poder suportar (e não “superar”) a dor.
Abraço