– Eu não sei porque eu fique ansioso daquele jeito.
– Vamos olhar para isso. O que você pensou quando ela te perguntou?
– Bem… eu não havia feito nada, nem sou desse tipo de cara. Mas pensei assim: e se ela não acreditar?
– Hum, tente pensar nisso agora, crie a imagem de ela não acreditando em você. Como você se sente com isso?
– Eu não gosto, fico apreensivo.
– Quando você sente que não creem em você, quando você diz a verdade, qual a sua tendência: achar que isso é um problema do outro ou seu?
– Meu… eu sempre tomo para mim. Não só com isso, mas com várias coisas.
– Entendo.
Algo interessante sobre a mentira e a verdade é que mesmo quem não mente tem “medo de ser pego na mentira”. Embora isso possa parecer mentira, não é. E o fato se explica porque quando o tema é verdade ou mentira, não é o conteúdo o que importa e sim a maneira que a pessoa lida com as consequências disso na relação com os outros.
A mentira (e sua possível detecção) é um tema de interesse humano desde o princípio dos tempos. Em geral, ele aparece junto com os temas de fidelidade conjugal ou patriótica, negócios e jogos. O desejo de saber quando alguém está mentindo possui raízes em nossa própria biologia, visto que mesmo nos comportamentos não verbais podemos “mentir”: em uma luta, por exemplo, quando um dos lutadores “finge” que vai atacar de um lado, para atacar, então do outro, ele induz seu oponente a se “defender de forma errada” e com isso, perder a vida. Várias espécies lidam com o engano como forma de ataque e de defesa.
Recentemente, tornou-se popular uma série na qual o detetive “sabia” através da percepção de movimentos faciais quando a pessoa estava mentindo. Embora a técnica usada pelo detetive seja real e, de fato, exista uma vasta literatura sobre o tema, o próprio pesquisador nos informa que não é possível saber com 100% de certeza quando alguém mente. E o motivo é interessante: os sinais mostrados pela expressão facial de alguém “pego na mentira” são iguais aos sinais de alguém que “teme ser punido” caso não acreditem nele.
Em outras palavras, uma pessoa pode estar falando a verdade e sentir-se muito mais incomodada do que um mentiroso que está mais tranquilo. A noção da punição pode deixar alguém muito incomodado e inquieto e parecer um mentiroso, inclusive em sua expressão facial, porque ele teme o interrogatório, teme que se não acreditem nele, ele terá o mesmo destino de um mentiroso. Esse temor é um problema que não há como ser solucionado facilmente, a certeza absoluta seria apenas através da leitura mental direta, algo que ninguém sabe fazer.
Esta percepção frustrante, nos fala sobre a maneira pela qual as relações são criadas. É sabido por todos que podemos ser enganados, mas também é sabido por todos que podemos pagar por um crime que não cometemos. Este é um dos argumentos de quem é contra a pena de morte, por exemplo: vários acusados tiveram sua inocência provada tarde demais. O fato é que a avaliação de ser ou não um mentiroso não nos cabe. São os outros quem avaliam se o que dizemos é mentira, tudo o que nos resta é a nossa consciência, mas isso nem sempre nos salva.
A percepção dessa vulnerabilidade é o que faz muitas pessoas se sentirem nervosas, agressivas e ansiosas quando são confrontadas pela verdade. Outros não gostam que sua sinceridade seja colocada a prova e a mera indução de uma acusação já lhes soa desrespeitosa, assim sendo, atacam, algo que também é comum ao mentiroso. Este, por sua vez, caso não tema a punição, pode parecer muito tranquilo e até mesmo solícito caso perceba que isso pode lhe safar a pele ou amortizar sua pena (como nas delações premiadas). Assim sendo, se o outro mente ou não ainda permanece um mistério.