• 4 de novembro de 2020

    Sobre relacionamentos: você está pronto para deixar de ser quem é?

    – Ah Akim, mas o que eu faço?

    – Não sei. Qual o problema de fato?

    – Ela quer que eu pare de fazer as minhas coisas.

    – Não é o que me parece. Ela está pedindo que você faça coisas com ela.

    – E não dá na mesma?

    – Pense.

    – Não sei… entendo que ela quer, mas daí tenho que abrir mão do que eu já estou fazendo.

    – Exato. Esta é uma escolha. E agora vem algo importante: porque você se colocou numa situação que te exige esta escolha?

    – Hum… porque eu quis namorar ela?

    – Precisamente. E o que ela está te pedindo é: me namore.

     

    Vivemos em uma sociedade de consumo. Isso significa, grosso modo, que nos pautamos em percepções mercadológicas para pensar e viver nossa vida. No âmbito das relações humanas, não é diferente: queremos uma pessoa assim, assado e que satisfaça vários de nossos desejos e inseguranças mais profundos. Porém, será essa a natureza das relações humanas?

    Não. Até podemos tentar viver uma relação assim, porém será infrutífero. Pois na relação, existe um “problema” que invalida a possibilidade do comércio de serviço: o outro. Quando entramos em uma loja, podemos pedir algo é uma relação diferente: eles estão ali para servir. Quando entramos em uma relação não funciona assim, o outro (pasmem) não está ali para nos servir. O outro também possui desejos, fraquezas e medos, além de hábitos e formas de viver que são diferentes das nossas. Isso tudo, cria confusão.

    Uma das primeiras crises de todo casal, é a percepção da realidade. Depois que a fase de namoro passa, vemos o outro tal como é e entendemos: “Deus, ele não vai mudar, ele realmente faz isso. Sempre. E acha legal”. O desespero toma conta principalmente porque nesse momento percebemos que várias das necessidades que desejávamos que o outro desse conta, continuarão nossas necessidades. Assim sendo, nos sentimos “traídos” pelo outro, entregues, novamente, ao nosso destino.

    Porém a confusão não para aí. Outro ponto de desencontro ocorre quando a pessoa percebe que os hábitos do outro são diferentes. Isso leva os casais à uma atitude que neste momento de nossa cultura é horripilante: mudar os seus próprios hábitos. A mudança é, na verdade, uma adaptação entre duas pessoas diferentes, porém isso é sentido como “privação da liberdade” ou “tentativa de humilhação” ou ainda: “tentando me fazer deixar de ser quem sou”. É óbvio que existem relações tóxicas que realmente fazem isso, porém existe uma grande diferença entre estas a as saudáveis que precisam de adaptações.

    Então, quando coloco a pergunta tema deste post, o que estou querendo é dizer que quando entramos numa relação, precisamos entender sua natureza. Ela não nos traz tudo aquilo que queremos e precisamos. Ela nos faz diferentes de quem somos. As relações, quando são boas, nos fazem mudar e evoluir. Quem quer uma relação para continuar sendo quem é e impor sua forma de pensar, quer uma relação dependente. Esta é a natureza do comércio: as lojas precisam dos fregueses e, neste contexto, não há nada de errado com isso.

    As relações humanas, de outro lado, são interdependentes. O que significa que nenhum dos lados “precisa” do outro, mas, sim, deseja o outro. Este desejo, porém, precisa incluir o outro em si. De outra forma: entender que ao inserir alguém em minha vida, estou abrindo mão de parte de minha vida. E isso é o que faz das relações humanas algo tão específico e belo. Ao abrir mão não perco minha individualidade, mas a ganho sob outra forma, antes impensada: agora sou o alguém que vive com outro alguém.

     

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