– Então o que você está querendo me dizer é que eu não tenho que fazer nada?
– Sim, há algo para fazer?
– Mas então… eu simplesmente não consegui, é isso?
– Sim. Dessa vez não deu. Você se esforçou, claro, mas não deu, ponto.
(Ele olha para mim com uma expressão incrédula no rosto)
– Mas… eu não falhei?
– Veja, você não conseguiu… pode encarar isso como uma falha se quiser. Onde quer chegar com isso?
– Eu posso “falhar” ou “não conseguir”?
– Não sei, você pode?
– Para mim é como se eu estivesse decepcionando o mundo todo com isso…
– Não. É chato não conseguir, ainda mais quando queremos algo e nos esforçamos, que foi o seu caso. Mas o resto do mundo segue.
– É difícil pra mim entender isso.
É comum ouvir com certo desprezo no tom de voz: “ah, ele(a) é mimado(a)”. É um fato que pessoas mimadas não se adaptam de maneira adequada, porém, é exatamente aí que reside a sua dor: são pessoas que não cresceram, ou melhor dizendo: foram, impedidas de crescer.
O mimado, consiste numa pessoa que teve suas necessidades super atendidas. O mimo, também é uma forma de superproteção, assim sendo a pessoa mimada é alvo das necessidades de um adulto super protetor que não possui limites adequados em relação ao desenvolvimento da criança e ao seu papel de cuidador. Isso é um fato quase sempre esquecido, mas muito importante: a visão de mundo do mimado é distorcida e esta distorção ocorre porque a visão do cuidador sobre si também é distorcida.
Assim sendo a pessoa cresce com uma percepção completamente inadequada sobre seu lugar no mundo assim como do lugar dos outros em sua vida. Sim, uma pessoa mimada acha que tem o “rei na barriga”, porém isso é fruto de uma distorção que também lhe causa muita dor. Quando uma pessoa mimada, por exemplo, sofre um revés é algo muito terrível para ela. Não é como a maior parte de nós que entende que “isso acontece”, para ele, alguma falha de sua parte foi cometida. Algumas pessoas passam anos, remoendo seus comportamentos em busca de um erro para explicar algo simples como receber uma recusa.
A pessoa mimada é, assim, vítima de um abuso. O abuso o torna vulnerável, pois faz com que ele tenha uma percepção distorcida de si e do mundo. O drama do mimado, em se perceber como centro das atenções e o mundo como um cenário que deve prestar atenção nele é que o mundo não funciona assim. Simples. O abuso consiste na invasão que o adulto cuidador teve para com ele, que foi o que causou a distorção em primeiro lugar. São frases como: “viu? aprendeu que só pode confiar na mamãe/no papai?” que são ditas ou insinuadas. Essa relação torna a criança eternamente dependente dos cuidados do cuidador que, de fato, é “o único que faz isso por mim”, visto que o que é feito, não é adequado.
Para o mimado dar-se conta disso é muito difícil, pois não envolve apenas perceber que a relação estabelecida com o mundo está inadequada. Também envolve perceber-se num papel inadequado e, acima de tudo, perceber a origem abusiva dessa percepção. Este abuso, porém – e isso é difícil dizer – não é feito sem amor por parte dos cuidadores. Ou seja, o cuidador deseja cuidar da criança, apenas o faz de maneira distorcida, mas não é possível dizer: “você não ama esta criança”, isso seria ofensivo (além de errado). O ponto é que para o mimado este drama é muito complexo: perceber-se amado e abusado ao mesmo tempo.
No entanto, esta tarefa se faz necessária para que a super proteção ceda lugar ao cuidado verdadeiro. É algo espantoso, mas os mimados não sabem se cuidar. E isso porque eles nunca foram cuidados – por incrível que pareça. Eles foram superprotegidos. Isso significa que suas necessidades não foram olhadas, mas as dos cuidadores. Assim é muito doloroso quando o mimado percebe que precisa ver seus limites e cuidar deles e apenas deles, não mais daqueles dos pais. Porém é nesta dor que ele encontra, também, sua força.