– Eu fico muito irritado com isso!
– E o que te irrita, consegue perceber?
– Ah Akim, é uma coisa que não dá para explicar. Fico só olhando e penso: como é que pode?
– Como que pode o que?
– Será que a pessoa não se toca? Será que não liga?
– Para o que?
– Para o que ela está fazendo! Será que ela não vê o quanto que pode magoar alguém agindo assim?
– Ela te machuca ao agir assim então?
– Sim.
– E para você é possível se defender disso?
– Não sei… eu fico bravo com ela.
– Mas sente que se defende, que isso resolve a situação?
– Não muito bem…
As emoções são sistemas complexos, muitas delas se originam do sentimento de outras emoções e isso pode ofuscar a verdadeira “origem” de determinada emoção. No caso da raiva, por exemplo, temos o comportamento agressivo direto e temos a raiva associada ao medo. Esta segunda, embora muito comum, é difícil de ser percebida pelas pessoas.
A raiva pode ser acionada como um mecanismo de ataque, o desejo real de ferir alguém em uma situação de briga ou disputa, por exemplo. Ela também pode ser acionada como forma de buscar alimentos, que é o caso da caça, neste sentido, associada com o “sistema de procura”. Ela também pode ter uma origem no desejo de proteção, como no caso dos genitores buscando defender sua prole, e ainda pode estar associada aos mecanismos do medo, buscando proteger-se de um ataque direto. Cada uma dessas “raivas” é diferente, cada uma merece um olhar especial.
A raiva que se origina do medo é perigosa, pois pode tender a comportamentos muito impulsivos e agressivos em desmedida. O medo busca pela proteção, mas quando a atividade de fuga não funciona, a raiva se direciona ao ataque. Quando estamos sentindo medo, porém, o objeto da raiva é tido não apenas como algo que precisamos vencer afim de atingir determinado fim, mas também, como algo que precisa ser destruído afim de garantir nossa sobrevivência.
A luta entre homens, por exemplo, é um comportamento comum em várias espécies. Porém, o tipo de comportamento agressivo que vemos quando dois machos lutam para mostrar dominância é diferente de quando eles lutam com o medo por detrás. Dificilmente em uma disputa de dominância, haverão mortes, já no segundo caso, essa é uma possibilidade muito alta. Porém, justamente por ter este poder, a maior parte de nós prefere sentir a raiva do que o medo. Ao mesmo tempo, é percebendo o medo que podemos usar a raiva de maneira mais equilibrada.
Olhar o medo além da raiva exige a perguntar-se: o que eu acredito que isso que me irrita ou que me faz sentir raiva vai me fazer de mal? Esta simples pergunta nos move do ponto de querer esganar alguém para entender que tipo de ameaça o comportamento daquela pessoa representa para nós. Esta mudança no olhar também é a percepção de nossa fragilidade. Em geral, não gostamos de ver nossa fragilidade e preferimos, então, “sermos fortes” e bater em todo mundo.
Porém esta é a atitude que gerou, ao longo da história, os grandes genocídios e guerras. A percepção nítida de que o outro é um mal e que precisa ser destruído gera esta necessidade, mas por detrás do “mal” que o outro representa, está nosso medo de que esse mal se abata sobre nós. Aprender a se defender é diferente de aprender a atacar. O respeito pela adversidade só pode ocorrer quando também sabemos nos defender daquilo que podemos considerar agressivo nela. Se o foco repousa em defender aquilo que é frágil em nós, é possível se defender e conviver, se não, precisaremos atacar, por medo.