• 1 de março de 2021

    Porque o auto conhecimento nem sempre é óbvio?

    – Eu me sinto estranho ultimamente.

    – O que está estranho?

    – Posso dizer que tudo… afinal de contas… sei lá…

    – Tudo o que?

    – Tudo mesmo. Tenho visto que as coisas que eu pensava eram só isso. E que eu posso fazer novas escolhas.

    – O que sente em relação à isso?

    – Estranho… angustiado… sabe?

    – Sim e o que isso sente vontade de fazer com isso?

    – Às vezes sair correndo…

     

    Uma das formas de pensar terapia e auto conhecimento é que existe uma “agenda pre determinada” em direção da qual temos que caminhar. Este raciocínio, não leva em conta que muitas direções tomadas pela pessoa e pela própria mente lhe são própria e mutáveis, por isso, nem sempre aquilo que está no livro funciona na realidade. E aí, faz o que?

    Talvez uma das habilidades mais importantes para alguém que se dedica ao auto conhecimento e à análise da mente e comportamento humanos é saber perguntar e se inquietar. A tarefa nunca é “prazerosa”, pelo contrário, sempre envolve a angústia e uma manutenção “permanente” de inquietação. Embora o estudo nos leve a perceber muitos padrões o grande erro que muitas pessoas cometem é de achar que já está tudo traçado lá e que basta alguém vir e “tirar” o que não presta e colocar algo no lugar. Essas pessoas, em geral, desistem da terapia.

    Isso porque o processo não é linear, não envolve apenas raciocínio lógico e nem sempre a mudança comportamental significa uma mudança de fato. Temos, por exemplo, aquilo que se chama de “agenda oculta”, ou seja, um conjunto de regras que determinam nosso comportamento, mas que ficam longe de nossa consciência. Alguém “preso” em uma relação tóxica, por exemplo, pode ter a agenda oculta de ser uma “boa pessoa” ou de buscar sentir-se “moralmente superior”, motivo pelo qual consegue sustentar todos os abusos típicos desse tipo de relação.

    Em um caso como esse, a pessoa “ingênua” acreditaria que basta a pessoa se conscientizar dos maus tratos que ela sairá, ou que deveria ter o suporte de família e amigos para isso. Porém, nem sempre é assim, pois o que realmente motiva o comportamento não é falta de percepção ou de apoio social, mas sim, este desejo, oculto. Outro tema comum é o da resistência, que nos mostra outra faceta do comportamento humano. Neste tipo de pensamento, a pessoa não muda porque no fundo “não pode”.

    É o caso, por exemplo, de alguém que acredita ser um fracassado. Esta crença mantém uma resistência contra todos os esforços da pessoa em ser “competente” ou uma pessoa “de sucesso”. Pois se ele conseguir ter sucesso, irá agir contra sua própria identidade. Embora eu concorde com o leitor de que a identidade é estranha, ou que pode prejudicar a pessoa, é importante lembrar que algo muito importante para o seu humano é a coerência interna e se eu me sinto coerente ao pensar que sou um fracassado, aquilo que ataca esta percepção pode ser nocivo para mim, mesmo que me seja “bom”.

    Por fim, o auto conhecimento nem sempre é óbvio, porque quando o buscamos aprendemos. E ao aprender o mundo se transforma diante de nossos olhos. Aquilo que nunca pensamos em questionar, se torna alvo de perguntas, o certo se torna duvidoso e por este motivo, aquilo que nunca pensamos em tratar, de repente se torna o cerne de nossa vida. O comportamento humano é altamente questionável, por este motivo o auto conhecimento é difícil, ele nos faz ver que aquilo que fazemos é apenas isso e essa percepção é o que nos coloca em angústia existencial. Por este motivo, conhecer-se não é para qualquer um.

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