• 26 de março de 2021

    O meio do caminho

    – Eu sinto vontade de desistir às vezes…

    – Imagino, tem sido um momento difícil para você, não?

    – Sim… você vê! Tem dias que eu estou bem e te digo como a minha semana foi boa, mas tem dias que está tudo uma droga e me pego cometendo os mesmos erros…

    – O que passa na sua cabeça quando isso acontece?

    – Eu fico me achando uma idiota… eu já sei o que não dá certo…

    – Sim, mas será verdade que uma idiota teria chego até aqui?

    – Não…

    – Você sabe o que não funciona, e está naquele momento difícil em que não dá mais para tapar o sol com a peneira

    – Sim!

    – E ao mesmo tempo, não está plenamente estabelecida “do outro lado” da mudança.

    – É…

     

    Nem cá, nem lá. Consciente, mas não plenamente sábio. Este momento em que a nova forma ainda não está plenamente corporificada é chamada de Keleman de “middle ground”. Nome muito propício para este momento da terapia no qual sabemos o que não fazer, mas não temos tanta certeza ainda sobre o que devemos fazer.

    Ocorre com todos nós. Durante anos criamos uma forma de agir neste mundo tomando muitos pressupostos e “provas” para evidenciar que aquele jeito é o “certo”. Mas chega um determinado ponto de nosso crescimento no qual aprendemos que a nossa forma de ver o mundo não é tão boa assim. Decidimos, então, mudar. Porém ao mesmo tempo que pretendemos mudar para tirar de nós aquela dor terrível que sentimos, também não queremos mudar plenamente.

    Porque não? Porque é difícil se desapegar “de verdade” de nossas formas antigas. Ocorre em todos os processos que vejo em terapia: a pessoa aprende algo novo sobre ela, mas repete o mesmo padrão antigo em outras áreas da vida. Podemos entender isso como “resistência”, mas quem não iria resistir? Afinal de contas, bem ou mal nossas formas antigas nos trouxeram até aqui, não? Dá medo de abrir mão e fazer algo completamente novo.

    E este é um dos caminhos para aprender a lidar com este momento. Uma das atitudes mais comuns é ficarmos com raiva disso e desejarmos “mudar logo”, ou desistir, pensando que a mudança é por demais cansativa. Suportar estes estados ambivalentes de “ora cá, ora lá” é fundamental para passar por esta fase de transição. Aceitar o medo da mudança, aceitar nosso desejo de permanecer sem mudar é o que nos possibilita perceber esses movimentos em nós e com isso, aos poucos, começar a decidir o que fazer.

    Esta escolha se torna fundamental em algum momento, pois é com ela que vamos “bater o martelo” sobre qual forma vamos realmente abraçar. Porém chegar no momento da escolha é algo que requer transitar entre as formas novas e antigas. É como se o corpo e a mente precisassem viver os dois lados da moeda de forma vívida antes que uma escolha possa realmente ser feita. E qual o motivo disso? Todas as escolhas tem lados bons e ruins, assim sendo é importante – e sábio – olhar bem para um lado e depois para o outro.

    Este aprendizado é importante porque todas as nossas mudanças ocorrem assim. Primeiro de um lado, depois do outro, depois oscilando entre eles e finalmente a escolha por algum lugar entre estes dois. Assumir a consciência de que não somos a escolha que fazemos, mas sim aquele que faz a escolha é um aprendizado importante para nos dar esta perspectiva. Quando nos desidentificamos da forma que usamos no mundo e assumimos o lugar de quem vive as formas, conseguimos lidar melhor com estas intempéries.

     

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