• 13 de agosto de 2021

    Negar a dor da perda

    – E eu estou muito bem sabe?

    – Que ótimo.

    – Nem sei direito o que falar hoje.

    – Então pense.

    – Não tem mesmo… está tudo bem, não tenho mais os sentimentos que tinha antes.

    – Tem sim, a gente sempre tem tristeza.

    – Sim, mas não sinto mais isso em relação ao que aconteceu.

    – O que você sente?

    – Não sei.

    (silêncio)

    – Mas que droga, é só eu chegar aqui e fico meio mal.

    – Talvez seja só aqui que você se permita se sentir assim.

    – Mas lá fora eu faço as minhas coisas.

    – Que bom, mas não confunda “melhora” com “distração”.

     

    Perda é um sentimento difícil de lidar. Ter posse, o sentimento antes da perda, nos faz mais fortes e estrutura nossa vida. Ao perder algo, essa estrutura se desfaz. Entre o momento em que temos forma e o momento em que teremos uma nova forma, reside um vácuo difícil de suportar. Porém, suportá-lo é o que nos faz ir adiante.

    Porque negamos? Porque dói. Não se trata apenas da dor física, algo que muitas pesquisas já comprovaram, mas também, da dor psíquica. Reorganizar nossa história interna faz com que tenhamos que rever quem somos, o mundo e nossas relações. Nos momentos em que nos sentimos fragilizados é muito difícil fazer isso, paradoxalmente, geralmente é nesses momentos em que isso se faz mais necessário. Por este motivo, negamos. Queremos manter aquilo que era, não desejamos aceitar a necessidade de mudança, a realidade da vida e sua mutabilidade.

    Perder algo ou alguém traz certas implicações. A vida está mudando, nós estamos mudando. Nenhuma perda ocorre sem mudanças. Então a perda não significa apenas um elemento sendo retirado, mas a mudança como um todo que esta perda representa. Negamos, pois desejamos que o cenário total se mantenha. É nosso instinto de permanência no grupo que torna este desejo mais forte. Este desejo, aliado à imaturidade em crer que é possível que tudo dure para sempre, nos faz dependentes da estrutura e refratários à mudar.

    Então, a perda e a dor da perda nos faz perceber nossa fragilidade. A falta de potência para conter o avanço do tempo e da vida, que segue implacável à revelia de nossas vontades. Esta constatação pode retirar a força de quem é mais imaturo (boa parte de nós). Frente à esta impotência, a pessoa se retrai e não quer perder o seu sentimento interno de onipotência em se sentir maior que a vida. Este medo traz a negação à tona. Queremos manter tudo ao nosso jeito, a vida mostra, com seu poder incrível que é ela quem manda. Sentimos medo de seu poder. Tentamos negar este poder.

    Logo, a negação da dor da perda é também a negação da mudança, de nossa impotência em frente ao poder de mudança da vida. Entrar em contato com esta impotência, de outro lado é a chave que mais nos dói e a que mais liberta. Não se trata de se tornar fraco, mas de assumir nosso tamanho perante à ordem das coisas vivas. A vida nos tem, nós não temos a vida. Estamos vivos, sentimos a vida e ela nos preenche, mas não nos cabe manipular a vida. Nem as mudanças.

    É obvio que não somos completamente impotentes. Conseguimos fazer algumas coisas, temos certo poder de ação. Quando reconhecemos este poder, nos tornamos livres para usá-lo. Assim, somos livres e potentes para fazer o que podemos fazer. E nos submetemos ao restante, aceitando a vida tal como é, sem considerações. Esta aceitação não retira o medo das mudanças, mas nos faz aceitar este medo e reagir com ele. Isso é humano e nos faz crescer de forma saudável. Com isso, podemos ir além e aceitar ao invés de negar, mudar ao invés de estagnar.

    Abraço

     

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