– Eu estou me sentindo meio mal comigo
– O que aconteceu?
– Bem… eu sempre falo que comigo “missão dada é missão cumprida”
– Sim
– Daí que eu estou vendo que me dou um monte de “missões”, mas nem sempre cumpro
– Sim, para os outros você faz, mas para você não é sempre não é?
– Sim, você já tinha visto isso?
– Sim.
– Nossa, porque eu faço isso?
Já diz o ditado: faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço. Nem sempre é simples compreender porque defendemos um discurso, mas na hora de agir, temos uma atitude diferente. Este artigo visa lançar luz nesse tema.
Do ponto de vista emocional e psicológico, existe grande diferença entre o discurso e a crença de uma pessoa. Para compreender isso é necessário fazer uma distinção entre ideias e personalidade. As ideias são conceitos, abstrações que a pessoa pode usar de maneiras muito variadas em sua vida. Elas podem ou não ter a ver com a pessoa em si. A personalidade é “a pessoa em si”, tem a ver com papéis criados inconscientemente ao longo da vida da pessoa, o lugar em sua família de origem e outras variáveis.
Quando se fala em discurso, o foco recai sobre as ideias com as quais a pessoa trabalha. Trata-se do que ela diz, da lógica entre os pressupostos, conceitos e comprometimentos de seus argumentos. O discurso tem a ver com o lado intelectual da pessoa, o que ela lê, ouve e conceitua.
Já a crença trata-se de ideias também, porém estas possuem um valor diferente do discurso. Enquanto o discurso é uma ideia da qual a pessoa pode abrir mão, visto que é um conteúdo mais intelectual, a crença é uma ideia que gera, inibe e dá (ou não) permissão a determinados comportamentos e até mesmo à determinadas ideias. A crença, portanto, é uma ideia, porém carregada de alto valor emocional e psíquico. Em muitos casos a crença assume o valor de identidade: o que penso sobre eu mesmo?
Em consultório o que vejo, muitas vezes é a pessoa fazendo um discurso sobre como ela gostaria de ser, como ela pensa que as relações deveriam ser ou sobre como sua profissão deveria ser. Presto pouca atenção nisso. Quando ela age, aparece, de maneira velada, a crença. Esse sim é um “discurso” ao qual se deve prestar atenção. É a crença que valida a ação da pessoa, logo, ela pode discursar o quanto quiser, mas é no momento da ação que o “verdadeiro” discurso se apresenta.
Porque coloquei verdadeiro entre aspas? A crença não é melhor ou pior do que o discurso da pessoa, apenas é o discurso que ela usa emocional e psicologicamente, sendo assim, ele é mais “verdadeiro” no sentido de ser algo realmente usado pela pessoa e não apenas pensado.
Um exemplo típico é um pai super protetor que deseja ser “mais livre” porque agora “viu que os pais servem para criar os filhos para o mundo” e que os filhos devem “quebrar a cara para aprender”. Porém, quando deixa o filho ir quebrar a cara, por exemplo, sente culpa, caso o resultado da ação seja, de fato, uma cara quebrada. Porque ele sente culpa se acha que o filho “deve” fazer isso? Simples, porque o discurso que valida sua ação é outro, o do pai super protetor que sente que “falhou com o filho”.
Não se trata de “escolher o discurso que quero para mim”, mas sim de identificar qual a crença você já usa. A mudança só ocorre ao aceitar aquilo que já somos. Para compreender melhor isso, compare aquilo que você diz com aquilo que realmente faz e sente quando age.Você poderá perceber muitos temas em que o seu discurso é simétrico à sua fala, você faz o que fala. Em outros verá falhas, desarmonia. Nesses casos é importante ver o que, de fato você pensa. Sempre digo que o problema não está na crença em si, mas sim na sua adequação perante quem a pessoa é e o que ela deseja para si. Compreender a crença que de fato temos é o primeiro passo para trabalhar em direção à esta harmonia.
Abraço