– Eu não quero mais falar sobre isso, parece que toda sessão é a mesma coisa.
– Que ótimo.
– Ótimo?
– É. Agora vamos falar sobre o que realmente importa então não é?
– Ué, mas e o que eu dizia antes não era importante?
– Sim, porém eram reclamações apenas. Já sabemos do que você não gosta nas pessoas da sua família, agora vamos falar sobre o que?
– Não sei direito…
– Que tal sobre você e o que você quer fazer com tudo isso.
– Não pensei nisso.
Reclamações fazem parte de muitos processos de terapia. Em alguns momentos, porém, o cliente está “de saco cheio” disso. Esse é o momento no qual ele quer deixar a terapia porque “não tem mais o que falar”. Como lidar com isso?
Salvador Minuchin já dizia que as pessoas querem mudanças desde que nada precise mudar. É importante considerar o tema do vínculo terapêutico: qual o tipo de vínculo que a pessoa mantém com o terapeuta e com a terapia? Em contrapartida, é importante se questionar sobre o papel que ela atribui à ela mesma ao estabelecer esses vínculos. Isso é importante porque alguns criam um vínculo reclamatório, esperam que através da reclamação os problemas se resolvam, porém isso não funciona assim.
Um dos trabalhos do terapeuta é, ao longo do tempo, ajudar o cliente a perceber essa realidade e desenvolver-se em direção a resolver e lidar com os problemas ao invés de reclamar deles apenas. Porém, a reclamação não trata apenas de conteúdo, também se refere à uma forma de se relacionar a qual empresta uma identidade ao reclamante. À medida em que a terapia progride e o reclamante começa a perceber que sua maneira de se vincular e de reclamar não é mais funcional ele pode começar a mostrar o sintoma “não tenho mais o que falar”.
E de fato não tem. Porém isso é extremamente positivo. Este sintoma, para este tipo de dinâmica, revela que a pessoa “esgotou” o seu arsenal de reclamação e começa a entrar em contato com o vazio que há por detrás disso, ou o medo ou a angústia. Este pode ser um momento no qual a pessoa deseja parar a terapia, afinal, “não tem mais nada a dizer”. No entanto, é justamente não ter nada mais a reclamar que a fará buscar um conteúdo que possa ajudá-la a mudar a maneira pela qual se vincula e cria relações e mundo.
Assim sendo é importante encorajar a pessoa a não ter o que falar e ater-se ao silêncio. Sobre as reclamações ela não quer mais falar, pois já falou (ou reclamou) muito. A pergunta então é: o que ela precisa, de fato, expressar? Deixar a reclamação de lado, porém é angustiante, pois deixa a pessoa “sem forma” para se relacionar e nem se perceber. Assim sendo, é importante trabalhar com ela uma maneira de “ser no mundo” que a ajude a prestar atenção nela e nas relações sem precisar da reclamação.
Nisso o terapeuta poderá ajudar sendo uma fonte de experiências para ela. Aprender na relação com o terapeuta a falar de fatos positivos sobre sua vida, sonhos, desejos e esperanças pessoais. Frustrações e conquistas que a pessoa poderá começar a ter assim que se comprometer consigo mesma. Ao mesmo tempo, não é o momento para dar muitos conselhos e sim deixar a pessoa fazer coisas e aprender com estas experiências. Indagar o que a pessoa fez, o que sentiu com o que fez, se isso poderá ser positivo à longo prazo ou não são as perguntas que ajudam no momento em que a pessoa não tem mais o que falar, mas justamente por isso, começar a ter muito a dizer.
Abraço