– Mas é que é uma coisa que me acompanha desde sempre sabe?
– Entendo… você sempre teve esta sensação, porque não fala muito sobre ela?
– Ah… não sei… tenho tipo vergonha sabe?
– Vergonha? O que te faz sentir vergonha dessa sensação?
– É que é uma coisa que parece infantil sabe?
– Sei sim… mas mesmo assim acho que é importante de falar não é mesmo?
– É… Sabe… eu nunca me senti merecedora de ser amada, de ter coisas boas…
– Sério? E se sente como se não é merecedora?
– Eu me sinto uma pulha…
– Entendo… deve ser duro para você isso não: sentir-se assim e “continuar tocando”
(Ela chora um pouco e diz)
– Sim.
– Que tal aqui você poder falar abertamente sobre a pulha que você acha que é ao invés de precisar se mostrar poderosa?
– Pra que?
– Pra vermos se você realmente é uma pulha ou se está na hora de melhorarmos esta auto imagem oras!!
– Hum… entendi… tá bem então…
Todos temos dores. Alguns mais outros menos.
A dor de não sentir-se merecedor é uma que dói muito profundamente. Em geral as pessoas não querem assumir que sentem-se assim com elas mesmas, na atual cultura de “ame-se acima de tudo” sentir isso é quase um sacrilégio, porém isso não impede que as pessoas sintam-se assim pelas mais variadas razões.
Em meus atendimentos tenho visto muitas pessoas se esquivarem dessa sensação à todo custo, mas, invariavelmente, elas acabam chegando neste ponto de suas vidas assim como de suas terapias: eu mereço ser feliz? Aos olhos da cultura esta pergunta é de fácil resposta, porém nem sempre as pessoas conseguem incorporar esta realidade dentro delas mesmas. Em geral vejo as pessoas arranjando as justificativas mais interessantes para validarem o seu sofrimento.
Esta “dor que não se cala” vive dentro de nós sempre dizendo – nos piores momentos – o quanto fizemos coisas erradas, quanto não somos belos, inteligentes, fortes, rápidos ou qualquer outra característica o suficiente para “merecermos” a felicidade. Mas talvez a grande pergunta realmente seja precisamos merecer a felicidade?
Uma coisa é, obviamente, o compromisso e o “correr atrás”, buscar aquilo que queremos. Neste sentido “merecer” significa “fazer por”, empenhar-se e mostrar as competências necessárias para atingir aquilo que queremos ou que precisamos. Este é o sentido de felicidade que implica as pessoas buscarem ativamente aquilo que as fazem felizes.
Outra, totalmente diferente, é uma disposição pessoal que nos diz “eu mereço”. É a diferença entre aquela pessoa que fica pensando “será que dou “oi” para ele (a)?” e aquela que já deu o “oi”. Neste sentido, embora você possa ficar estarrecido com o que vou dizer, não adianta a cultura querer propiciar nada para a pessoa, ou ela sente isso dentro dela ou não sente. É uma conquista pessoal por mais que se deseje estabelecer isso como algo cultural.
Porque penso assim?
Pelo fato de que mesmo vivendo numa cultura que prega a auto-estima e a felicidade vejo que as pessoas, nas suas relações, aprendem a sentirem-se ou não merecedoras de algo melhor, de uma vida plena e de felicidade. Não é a cultura que dita isso, mas sim uma percepção interna da pessoa na qual ela aceita a si tal como é, respeita aquilo que é e então consegue dizer-se: “eu mereço o que me faz bem”.
O merecimento não trata de uma “vida melhor” – embora você possa chamar isso por este nome – estamos buscando algo muito mais simples do que uma vida melhor, buscamos simplesmente aquilo que nos faz bem, que enriquece nossa alma e nos alegra, aquilo que nos causa orgulho e sensação de conquista. Porém o paradoxo é que se não nos aceitamos tal como somos este merecimento nunca virá e teremos sempre um medo velado de dizer o que pensamos, sentir o que sentimos e viver como desejamos.
Abraço
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