• 9 de abril de 2014

    Dor que não se cala

    – Mas é que é uma coisa que me acompanha desde sempre sabe?

    – Entendo… você sempre teve esta sensação, porque não fala muito sobre ela?

    – Ah… não sei… tenho tipo vergonha sabe?

    – Vergonha? O que te faz sentir vergonha dessa sensação?

    – É que é uma coisa que parece infantil sabe?

    – Sei sim… mas mesmo assim acho que é importante de falar não é mesmo?

    – É… Sabe… eu nunca me senti merecedora de ser amada, de ter coisas boas…

    – Sério? E se sente como se não é merecedora?

    – Eu me sinto uma pulha…

    – Entendo… deve ser duro para você isso não: sentir-se assim e “continuar tocando”

    (Ela chora um pouco e diz)

    – Sim.

    – Que tal aqui você poder falar abertamente sobre a pulha que você acha que é ao invés de precisar se mostrar poderosa?

    – Pra que?

    – Pra vermos se você realmente é uma pulha ou se está na hora de melhorarmos esta auto imagem oras!!

    – Hum… entendi… tá bem então…

     

    Todos temos dores. Alguns mais outros menos.

    A dor de não sentir-se merecedor é uma que dói muito profundamente. Em geral as pessoas não querem assumir que sentem-se assim com elas mesmas, na atual cultura de “ame-se acima de tudo” sentir isso é quase um sacrilégio, porém isso não impede que as pessoas sintam-se assim pelas mais variadas razões.

    Em meus atendimentos tenho visto muitas pessoas se esquivarem dessa sensação à todo custo, mas, invariavelmente, elas acabam chegando neste ponto de suas vidas assim como de suas terapias: eu mereço ser feliz? Aos olhos da cultura esta pergunta é de fácil resposta, porém nem sempre as pessoas conseguem incorporar esta realidade dentro delas mesmas. Em geral vejo as pessoas arranjando as justificativas mais interessantes para validarem o seu sofrimento.

    Esta “dor que não se cala” vive dentro de nós sempre dizendo – nos piores momentos – o quanto fizemos coisas erradas, quanto não somos belos, inteligentes, fortes, rápidos ou qualquer outra característica o suficiente para “merecermos” a felicidade. Mas talvez a grande pergunta realmente seja precisamos merecer a felicidade?

    Uma coisa é, obviamente, o compromisso e o “correr atrás”, buscar aquilo que queremos. Neste sentido “merecer” significa “fazer por”, empenhar-se e mostrar as competências necessárias para atingir aquilo que queremos ou que precisamos. Este é o sentido de felicidade que implica as pessoas buscarem ativamente aquilo que as fazem felizes.

    Outra, totalmente diferente, é uma disposição pessoal que nos diz “eu mereço”. É a diferença entre aquela pessoa que fica pensando “será que dou “oi” para ele (a)?” e aquela que já deu o “oi”. Neste sentido, embora você possa ficar estarrecido com o que vou dizer, não adianta a cultura querer propiciar nada para a pessoa, ou ela sente isso dentro dela ou não sente. É uma conquista pessoal por mais que se deseje estabelecer isso como algo cultural.

    Porque penso assim?

    Pelo fato de que mesmo vivendo numa cultura que prega a auto-estima e a felicidade vejo que as pessoas, nas suas relações, aprendem a sentirem-se ou não merecedoras de algo melhor, de uma vida plena e de felicidade. Não é a cultura que dita isso, mas sim uma percepção interna da pessoa na qual ela aceita a si tal como é, respeita aquilo que é e então consegue dizer-se: “eu mereço o que me faz bem”.

    O merecimento não trata de uma “vida melhor” – embora você possa chamar isso por este nome – estamos buscando algo muito mais simples do que uma vida melhor, buscamos simplesmente aquilo que nos faz bem, que enriquece nossa alma e nos alegra, aquilo que nos causa orgulho e sensação de conquista. Porém o paradoxo é que se não nos aceitamos tal como somos este merecimento nunca virá e teremos sempre um medo velado de dizer o que pensamos, sentir o que sentimos e viver como desejamos.

    Abraço

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