• 15 de agosto de 2014

    Me salve

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    • Mas daí sabe o que ele fez?

    • Não, o que ele fez?

    • Ele me disse: puxa e o que você vai fazer?

    • Hum

    • Como assim!?! Eu vou e digo que estou com problema e ele me diz isso!?

    • O que você esperava!?

    • Puxa que ele me dissesse alguma coisa para me confortar, para me fazer sentir bem, para me ajudar a resolver a situação.

    • Hum… entendo. Mas me diga a pergunta que ele fez foi, de fato, inadequada?

    • Como assim?

    • Bem, você trouxe um problema e ele está perguntando para você se você sabe o que fazer, não é isso?

    • … é… de certa forma é isso… tipo: “o que você vai fazer?” como quem diz “e aí, sabe como se virar com isso?”

    • Sim, é inadequado ele perguntar isso?

    • Não… mas não é o que eu queria.

    • Sim, isso eu sei, mas também sei que não é inadequado. Não que ele não possa te dar uma ajuda, mas assim: ele não foi inadequado.

    • Entendi…

    • O que será que tem nessa raiva toda que você sentiu?

    • Eu acho que tem um pouco de medo de tomar esta decisão sabe?

    • Também acho… e aí o que você queria dele?

    • Que ele tirasse isso de mim… mas ele não pode né?

    • Não.

     

    É algo comum termos desejos frente aos nossos relacionamentos. Na verdade é até mesmo saudável sabermos aquilo que queremos numa relação para que possamos buscar por estes elementos numa pessoa e criá-los ao longo da relação. No entanto, existe uma diferença entre desejos e expectativas, você sabe qual é?

    Podemos entender que a expectativa são aqueles desejos não manifestos – alguns até inconscientes – que permeiam a relação. A expectativa também coloca a pessoa num papel passivo, de esperar e cobrar a falta daquilo que ela espera ter. Ela também não leva em consideração a pessoa real que está conosco, simplesmente quer e pronto, não avalia de maneira realista se ela é possível ou não e nem mesmo se a pessoa é capaz de realizá-la ou não.

    O desejo também pode ser inconsciente, mas a diferença fundamental é que o desejo é algo que a pessoa busca ativamente. Existe uma procura real por aquilo que se deseja e, neste sentido, não existem cobranças indevidas e nem mesmo uma avaliação irrealista. Em geral as pessoas que querem algo estão mais atentas ao real do que às suas fantasias.

    Em terapia um dos processos mais saudáveis para realizar numa relação ou com uma pessoa que busca uma relação é tornar as fantasias das expectativas conscientes afim da pessoa assumir de maneira responsável o seu desejo. A expectativa pode tornar-se um desejo quando ela é percebida e quando é processada de uma maneira realista pela pessoa.

    No exemplo acima a pessoa começou a perceber uma das expectativas mais nocivas numa relação: a de que o outro me salve. Desejar “ser salvo” ou “salvar” o outro é algo muito nocivo porque já estabelece uma relação de poder e de co dependência antes mesmo da relação começar. Além disso posiciona ambos em lugares de grande vulnerabilidade e de uma diferença enorme de responsabilidades: quem quer ser realmente responsável pela vida do outro?

    Esta fantasia, em geral, está ligada à uma auto estima muito baixa que coloca a pessoa como incapaz de cuidar da sua própria vida e, por esta razão, precisar de alguém que fará isso. Ou, no caso oposto, de fazer a pessoa dependente de alguém que precise dela o tempo todo. Este relacionamento é complicado porque ambos estão em situações de extrema pressão o que causa grandes desentendimentos por coisas pequenas.

    Tornar esta expectativa consciente ajuda a pessoa a perceber o que ela realmente “pode” pedir numa relação. No caso acima, por exemplo: é irreal esperar que seu parceiro vai tirar o seu medo da vida e de tomar decisões, por outro lado é possível desejar alguém que converse com você e ajude você a se tornar mais competente para tomar decisões.

    Acredito – assim como muitos terapeutas de família – que o casamento é uma relação que pode trazer à tona seus piores medos ou pode exacerbar as suas melhores virtudes; que pode fazê-lo murchar para a sua própria vida ou florescer. O primeiro passo para isso é saber exatamente o que se quer e como solicitar isso compreendendo o que responsabilidade sua e o que é do outro. Ninguém tem, por exemplo, responsabilidade sobre nossas emoções, elas são nossas. Podemos solicitar uma mudança de comportamento e até posicionar o outro sobre como ele afeta nossas emoções e, numa relação saudável, o outro ouvirá isso e terá um comportamento mais adequado às suas necessidades – desde que isso não fira a integridade dele – enquanto numa relação disruptiva a pessoa poderá negligenciar isso e ainda zombar das suas necessidades.

    Abraço

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