- Eu preciso ter certeza disso.
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É… eu entendo que seria bom ter certeza
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Como que eu faço isso?
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Bem, até onde eu sei não há como garantir se alguma empreitada vai, com 100% de certeza, dar certo.
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E como que eu faço?
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Que tal, ao invés de buscar a certeza, ir na dúvida?
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Como assim?
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Bem, a dúvida é algo que é sempre certo e mesmo que você tenha certeza agora, nada garante que você não vai tê-la depois.
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Tipo pegar e ir… mesmo sem ter certeza?
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É…
A palavra “religião” significa “ligar de novo”. Ligar o ser humano à experiência de estar vivo, ao mistério e essência da vida. A religião, na verdade, ao invés de oferecer respostas, oferece perguntas e desafios, esta é a essência da experiência religiosa ou, melhor dizendo, o seu método através do qual a pessoa entra em contato com este mistério. Particularmente não estou falando aqui de instituições religiosas, mas sim da experiência religiosa.
Hoje perdemos o contato com esta faceta da vida que me parece ser a mais verdadeira de todas: o mistério. Nunca sabemos com certeza absoluta o que virá, estamos sempre sendo colocados frente à frente com novas ideias que desafiam a nossa perspectiva. É aquela frase que adoro: “quando temos as respostas a vida vem e muda as perguntas”. Participar deste processo, deste devir é, na minha opinião, o que nos conecta novamente à vida e esta seria a essência da religião. Aqui cabe uma ressalva também, pois quando falo “vida” não estou colocando-a como uma substância no sentido filosófico da palavra, uma coisa palpável e com personalidade própria, mas sim com uma experiência à qual acabamos dando o nome de vida.
O que isto tem a ver com a conversa acima? Que quanto mais a ciência tem avançado, mais as pessoas tem tido o desejo por um mundo de garantias e certezas. Muito embora um bom cientista – alguém que realmente estuda a ciência enquanto conjunto de saberes e métodos e enquanto um método de pensamento – saiba que a ciência não busca por dogmas, ela vive, também, na pergunta. Quando você dá um fecho à uma questão qualquer e diz “é isto e ponto final” a possibilidade de ciência morre, pois ela nasce do indagar-se sobre um fenômeno, de poder vê-lo sob mais de um prisma, criar e testas hipóteses e refazer os testes com mais recursos e então descobrir mais elementos ainda.
Qual o meu ponto? De que mesmo a ciência, ao contrário do que achamos pelo senso comum que ela é, nos incita à dúvida, ao mistério e não às garantias.
Aprender a viver sem garantias absolutas liberta o homem e torna sua vida mais rica. Isso se deve ao fato de que quando ele pensa que tudo pode ser 100% garantido ele também está se atribuindo um poder onipotente – o de conseguir realizar esta empreitada com 100% de certeza – só que ele não é onipotente. Este “detalhe” o deixa sempre confuso – porque não entende porque seus planos nunca saem 100% de acordo com o planejado – e cansado porque sempre tenta controlar tudo, algo que obviamente não consegue.
Ao libertar-se da ilusão de controlar tudo ele pode começar a se relacionar com o mundo e suas dúvidas e então entender que isso não é errado, pelo contrário, que este “não-saber” é o que, de fato, faz parte da vida. O estado de mistério tem mais a ver com o que poderíamos chamar aqui de nosso estado “natural” do que o estado de “dogma” (que é a certeza absoluta e inquestionável de algo). A experiência da existência não é feita de dogmas, mas sim de provas e desafios, passar por eles – de uma maneira ou de outra – é no que se traduz aquilo que chamamos de vida e o que eu gosto de chamar experiência de estar vivo.
Assim, ao invés de buscar as certezas, porque não aprender a incentivar as pessoas à buscarem pelas dúvidas? Como seria um mundo onde o compromisso não está em ter sempre a certeza absoluta sobre tudo, mas sim o compromisso de estar em contato com a realidade buscando sempre respostas e maneiras saudáveis de se relacionar com esta realidade? Porque ao invés de dizermos às pessoas “tenha certeza de que ele (a) gosta de você antes de assumir uma relação” não dizemos algo como “experiencie esta relação e perceba nesta experiência as possibilidades que ela mesma oferece, aprenda com ela enquanto ela está aí”?
Este tipo de experiência de se envolver novamente no mistério e encarar o não-saber não é para qualquer um. Sinto dizer, mas é necessário coragem, perspicácia e ousadia para enfrentar isso. É um mundo de riquezas e de perigos que não vai tratar você de acordo com a sua ética pessoal, mas sim de acordo com a natureza do próprio processo – a qual não sabemos exatamente qual é e provavelmente nunca saibamos. Assim o convite não é feito para os “fracos de coração”, apenas para os fortes que desejam este jogo. Os outros, no entanto, podem entender o seguinte: ninguém nasce “forte de coração”, isto se molda a partir da experiência. Logo embora não seja para qualquer um, qualquer um pode se tornar alguém capaz de entrar neste jogo.
Abraço
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