- Mas sabe Akim… eu estou com medo…
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Medo de que?
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De não dar certo isso que eu tô querendo fazer.
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Sei…
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E se der certo?
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Aí ok!
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É?
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É.
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Hum… e me diga uma coisa: fazendo isso, você vai conseguir ficar em paz contigo mesmo?
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Claro… bem, se eu quero mesmo né?
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Sei… é que eu fico pensando em como você ficaria se sentindo mentindo para essas pessoas.
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Mentindo?
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Sim, você quem disse que ia precisar “se fazer” e talvez até mentir para conseguir o que você quer né?
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Hum… verdade…
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E aí?
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Não sei ao certo… não é meu esse negócio de mentir, mas…
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Pois é… das duas uma: ou aprende a mentir e se sentir bem com isso ou revê “a coisa toda”.
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É… meu medo então não é de falhar né?
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Eu acho que não…
O desejo é cruel. Cruel pois ele, em si, não necessita de motivos outros além do próprio querer. Nietzsche formula bem a ideia quando faz a pergunta se é sempre um sujeito quem realiza uma ação e propõe que não, não é exatamente necessário um sujeito para formular uma ação, mas o próprio desejo. Outro personagem é Morishei Ueshiba que diz que “a força não provém da capacidade física e sim de uma vontade indomável”.
O desejo é cruel porque ele busca se realizar. Os vilões e anti-heróis de todo o mundo estão aí mostrando isso para nós. A grande virtude de qualquer anti herói ou vilão é a de buscar com uma “vontade indomável” aquilo que desejam concretizar no mundo. Esta busca por realização não efetua um crivo moral, daí a sua crueldade e daí o ódio – e admiração – que muitos tem pelos vilões. O personagem Hannibal Lecter expressa muito bem isso quando diz ao detetive Will Graham no filme “O dragão vermelho”: “o que você [o detetive] considera “meus crimes”.
A questão toda do desejo se reflete sempre neste embate entre a moralidade e a concretude do desejo. Por esta razão, inúmeras vezes o grande problemas das pessoas não é exatamente falhar na tentativa de conseguir aquilo que desejam, mas sim conseguir e ter que conviver com aquilo. Expressar o desejo de uma forma simples é dizer “fiz por que segui o meu desejo”. Embora a pessoa possa deixar claro inúmeros motivos – lógicos e bem argumentados – pelos quais tomou uma ou outra decisão, no fim sempre existe a pergunta: mas você poderia ter feito outra coisa ou simplesmente ter deixado passar, questionamento válido em termos de possibilidades o que leva a pessoa, em última instância a afirma que “fez porque desejou”.
Porém esta afirmação em nossa sociedade é algo complicado porque envolve lidar com o “egoísmo” e, principalmente, com a falta de razão.
A questão egoísta é aquela que tem a ver com a pessoa “pensar somente nela” e não cogitar o “bem comum”. É uma armadilha moral na qual muitas pessoas são pegas. A armadilha é que de uma maneira ou outra ela estará seguindo um desejo, seja fazendo e então buscado algo da sua experiência pessoal, seja sucumbindo ao “não posso ser egoísta” e caindo em outro desejo que é o de ser amado por todos o que no caso a mantém no “egoísmo”. Isso tudo é diferente de uma conclusão pessoal de que o melhor a fazer é não seguir o desejo e aí trago Mario Cortela quem diz que as perguntas para realizar ou não algo são três: quero? posso? devo?, onde a última avalia não uma questão moral, mas sim uma questão de conseqüências da escolha, note que ela não impede, mas sim avalia o desejo frente a vida do próprio desejante.
A questão da falta de razão é uma outra questão. Vivemos em uma sociedade racionalista que busca perceber o motivo e razão de tudo. Quando se afirma estar seguindo algo que não é racional isso é visto com cautela e a própria pessoa se cobra disso. Esta situação é diferente de ser negligente e não pensar em nada, pois ao viver o desejo de maneira plena a pessoa cria repertório pessoal para compreender o que é um desejo interessante para ela e o que não é, a convivência com o desejar lhe dá poder de conversar e negociar com aquilo que deseja e se a pessoa não consegue fazer isso ela é, na verdade, vítima de seu desejo o qual seria algo como um desejo irresponsável por trazer danos ao próprio desejante.
Eu digo em consultório que temos duas formas de fugir de nós mesmos e de nossa auto expressão: uma delas é fazendo tudo o que os outros querem, a outra é fazendo tudo o que nós queremos. Nenhum desejo se dá no vácuo, o organismo vive num meio ambiente, faz parte dele e se relaciona com ele. Assim sendo um desejo, assim como uma regra moral, precisa de algo que se chama “personalização”. Keleman fala sobre isso quando diz que tanto o que vem de fora para dentro como o que vem de dentro para fora pode ser “contido” – e isso é diferente de reprimido – e personalizado, ou seja, qual a maneira pela qual você ira desejar trabalhar com o seu próprio desejo? E aí é que se abrem as portas da criatividade que permitem sermos cruéis e fazer porque queremos fazer e ao mesmo tempo sermos criativos. A relação entre crueldade, criatividade e desejo geram a experiência interna que se alimenta daquilo que desejou, daquilo que fez e do como fez e dos resultados que obteve afim de compreender mais sobre o seu próprio processo vital.
Abraço
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