• 14 de outubro de 2015

    Higiene do self

    – Eu não aguento mais, preciso mudar logo isso Akim.

    – Ok… gostaria que você respirasse um pouco.

    – Eu não consigo… estou muito ansioso. Como vou ter um emprego assim?

    – Tem muita gente super estressada com emprego muito bom. Vamos respirar um pouco?

    – Ai tá bom…

    (A pessoa respira um pouco, mostrando ansiedade)

    – Continue respirando… e enquanto você respira… quero que faça uma imagem na sua mente disso que quer mudar.

    – Ok.

    – Quero que olhe para essa imagem e continue respirando… nessa respiração quero que a cada exalação você deixe esta tensão sair de você.

    – Ok…

    (ela faz isso durante um tempo, abre os olhos e diz que está mais calma, continuo)

    – Muito bom… agora, olhando para isso, quero que você pense em como se relacionar com essa característica de maneira amigável.

    – Entendi… Eu consigo fazer isso.

    – Ótimo… agora me responda… em que tipo de contexto ela pode ser útil, talvez com algumas alterações no como executá-la.

    – Ela pode ser útil… eu sei… obrigada.

    – Não há de que… agradeça a você mesma também e à essa parte sua.

    – Pode deixar…

     

    Mudança, evolução, superar traumas, deixar o passado para trás. Essas são as palavras da ordem no universo da terapia e auto ajuda hoje. Porém, é sempre necessário “limpar” traumas, problemas e o nosso passado?

    Na minha opinião o que se tem criado nesses dias é uma cultura de “higiene do self”. Nada que esteja fora daquilo que se considera “higiênico” ou “saudável” tem lugar para existir. Então, chegam os clientes no meu consultório querendo “apagar” esta ou aquela memória, “romper” com determinado comportamento ou simplesmente “ser” outra pessoa – “quero me reinventar e ser uma pessoa nova”.

    A tônica da “limpeza” é o que me preocupa. Porque? Pelo fato de que ela não é adequada e, em várias situações, contra produtiva. Por exemplo, se eu percebo algo que não gosto na minha auto imagem, tenho que mudar isso não tenho? Nem sempre. “Gostar” não é um critério sempre adequado para uma mudança. E se não for “saudável”, depende do que a pessoa chama de “saudável”.

    O problema que percebo na “limpeza do self” é que os critérios empregados para limpar algo são muito simplistas. Baseiam-se apenas no “gosto”, em geral, ou em não enfrentar algo que a pessoa não gosta em si ou que teme. Assim o desejo de limpeza é justificado. Akim, você não considera que eu deva limpar de mim algo que temo? Não, nem sempre. Porque não aprender com aquilo, por exemplo? Medo em sua maioria das vezes é, simplesmente, uma falta de competência para lidar com uma situação ou então uma supervalorização do possível resultado negativo que isso pode lhe trazer. O mesmo vale para todas as emoções ditas negativas – classificação que eu, particularmente, tenho repulsa.

    O caso da auto estima, por exemplo. Na cultura higiênica existe uma simplificação da auto estima como a capacidade de gostar de tudo em mim. Fala-se apenas em alta ou baixa auto estima. Esta percepção é, por demais, simplória. Estimar, que é o ato de dar valor, está muito além de dar um valor alto ou baixo. Posso dar o valor de “querido”, por exemplo. Posso dar o valor de “tenho que cuidar”. Isso são tipos de valores e influenciam a auto estima. Daí que se vou apenas por uma lógica de limpeza eu preciso fazer cortes que além de serem desnecessários, muitas vezes criam mais problemas do que soluções.

    Digamos, que eu estou me vendo gordo. A ética da limpeza do self me diz que eu tenho que melhorar logo isso. Limpar, corrigir, ir além. Isso, em geral, gera uma sensação de inadequação na pessoa. Ela começa a brigar contra a sua característica e emprega o discurso segundo o qual ela precisa melhorar aquilo para ter uma boa auto imagem e, por conseguinte, uma boa auto estima. Como vou me valorizar me achando gordo? A pessoa pergunta. Bem, com a lógica atualmente em voga, você realmente não consegue.

    Porém, se você for ousado, pode-se perguntar: porque não me valorizar estando gordo? Por exemplo: olho para mim gordo, percebo a gordura em minha cintura, peito e coxas, percebo a falta de tônus na minha musculatura e talvez até alguns problemas de saúde ocasionados por isso. Porque não posso me valorizar assim? Tenho que estar em boa forma e boa saúde para me valorizar ou isso é o resultado do fato de eu me valorizar?

    Posso sim, olhar para mim nessa situação e me dar o seguinte valor, por exemplo: “quero cuidar de mim”, “mereço sentir saúde em mim”. Isso também são tipos de valores. Isso influencia a auto estima e não são necessárias mudanças, nem limpezas de traumas passados e nem nada. Apenas aceitar amar-se tal como é. E, sempre importante ressaltar, amar não significa manter do jeito que está. Ao desejar dar ao que vejo o valor “mereço me cuidar” vou manter-me sempre me cuidando em várias áreas de minha vida e isso é o meu ato de amor.

    Minha mensagem ao leitor é: calma. Não se apresse querendo mudar e nem se exija mudanças. Não tome como ponto de partida o final de uma jornada. Aprenda a olhar para o que você é hoje, do jeito que está e amar isso que é com tudo o que você considera ruim ou negativo. Auto estima tem a ver com isso também. É dar valor ao que vejo de mim e não com o que “deveria ver em mim”. Aprenda a se dar vários tipos de valor e verá como isso irá aumentar a sua auto estima e melhor, torná-la mais rica.

    O efeito colateral é criar uma sensação de paz interna. Uma ausência da pressa que temos hoje em dia de ser sempre melhor. A ausência desta pressão, ao contrário do que se pensa, não cria comodismo, mas sim cria espaço para que a pessoa consiga executar as mudanças que realmente são importantes para ela. Não se apresse, acalme-se, valorize o que há e isso será o seu substrato para novas mudanças crescerem e para as velhas assumirem novos lugares na gigantesca e rica floresta que é o seu mundo interno.

    Abraço

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