• 14 de dezembro de 2015

    Uma velhinha morre

    Uma velhinha muito religiosa vivia numa cidade em que ocasionalmente ocorriam enchentes. Ela nunca se apavorou, pois sempre teve certeza de que se precisasse, Deus iria salvá-la. Certa vez uma grande enchente aconteceu. O rio subiu rapidamente e os bombeiros começaram a evacuar as pessoas de suas casas, ao chegarem na casa desta senhora, ela retrucou:

    – “Não é necessário moço, Deus cuida de mim, ele irá me salvar”.

    O tempo passou e a chuva não passou, o rio, ainda mais cheio já tomava as casas e a água batia pelo joelho das pessoas nas ruas. Novamente os bombeiros foram até a senhora que recusou a ajuda.

    A água continuou subindo e agora a velha senhora estava no telhado de sua casa. Uma lancha foi enviada ao seu resgate, porém novamente ela disse que sua fé a salvaria. Passado mais um tempo a água cobriu as casas e a senhor já estava, novamente com a água aos seus pés, a correnteza, forte ameaçava levá-la para a morte. Desta vez, num último esforço, um helicóptero foi enviado:

    – “Minha senhora, entendo a sua fé, mas por favor, venha conosco no helicóptero.”

    – “Não meu jovem, o senhor me salvará”

    A correnteza não demorou por aumentar e arrastar a velha senhora para a sua morte. Chegando ao céu ela foi, rapidamente, tirar satisfações com Deus.

    – “Porque não me salvou, porque? Tive fé até o último minuto e nada”

    – “Foram enviados dois bombeiros, uma lancha e um helicóptero. O que mais a senhora precisava?”

     

    A grande pergunta é: porque a velhinha não aceitou a ajuda? A resposta mais óbvia é: porque ela achava que Deus iria salvá-la. Embora correta esta resposta não absorve completamente o ensinamento desta anedota, o que mais ela pode ensinar?

    Ocorre que Deus escreve certo por linhas tortas. Na minha percepção este dito significa que nem sempre as coisa vem para nós do jeito que achamos que devem vir. Muitas pessoas desejam ser fortes, porém não desejam se esforçar para ganhar força seja ela física ou psíquica. Em suas mentes, elas se imaginam fortes, a imagem do que elas fariam se o fossem é concreta e bem estruturada, porém não há um vínculo entre esta imagem e a prática que leva à ela. Apenas se imaginam fortes e ficam esperando por isso.

    Como o leitor pode imaginar, se eu me imagino forte ou rico (ou com uns quilos à menos) e nada faço em prol desta ideia ou eu levo sorte ou ficarei sem meus desejos atendidos. Voltando à anedota a velhinha provavelmente tinha uma expectativa de que anjos serafins descessem dos céus numa carruagem alada e a pegassem no colo levando-a sã e salva para outro lugar. Afinal de contas de que maneira, especificamente, “Deus iria salvá-la”?

    Hoje em dia com a “personalização” em alta, tendemos a achar que tudo tem que ser do nosso jeito. As pessoas pensam num futuro para si e para o mundo e entendem que tudo aquilo que existe na mente delas deveria se concretizar. E se concretizar daquele jeito. Aí é que entra o problema da velhinha. Ela foi ajudada por Deus, porém o “jeito” que ela esperava não se concretizou e quatro oportunidades passaram batidas.

    Existe uma diferença importante entre o meio que me conduz à algo e o algo. Tenho percebido que cada vez mais ficamos intolerantes em relação ao meio e cada vez mais esquecemos do fim. Embora este comentário possa soar maquiavélico, creio que deva existir um senso de flexibilidade e um de realismo frente ao que queremos e aos meios para obter isso.

    Algumas vezes o meio é importante, como no caso de uma experiência científica, onde chegar ao mesmo resultado por duas vias diferentes é algo muito importante. Em outros casos a metodologia não se faz tão importante, pois a ordem e a maneira de executar algo não estão em jogo e sim o resultado. Para uma pessoa com fome, por exemplo, a comida é o importante, assim o meio, seja ele qual for, que leve à comida se torna útil.

    Porém, ultimamente temos tido um “excesso de estética” em relação ao como as coisas devem ser feitas. O interessante sobre isso é que não importa o resultado, mas sim a estética. Em outras palavras não importa se vou ganhar o prato de comida, mas sim a maneira pela qual isso vai ocorrer. É o caso da velhinha. Ela não se salvou por uma questão estética. Deus iria salvá-la de alguma forma miraculosa e não enviando bombeiros. Se ela soubesse que ele escreve certo por linhas tortas, talvez tivesse se salvado.

    A questão que deixo é: você se preocupa com o que? Atingir metas ou com o como isso ocorre? Quando é que você peca por focar demais na meta e quando peca por focar demais no método? Minha ideia não é ser maquiavélico e afirmar que os fins justificam os meios e nem idealista no sentido de afirmar que a maneira pela qual vivemos é mais importante que os fins. Vou um pouco mais para o meio e compreender que a vida é complexa de maneira à abarcar ambas as situações para perguntar ao leitor: você sabe quando uma ou outra é mais importante em sua vida?

    Espero que sim.

    Abraço

     

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